Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Antonio Prata

Alfabeto de emojis

Emoticons foram o início do fim, mas só o início; o brejo começou mesmo com a chegada dos emojis

Ilustração
Ilustração - Adams Carvalho/Folhapress
São Paulo

“Paradoxalmente” —escreverá um historiador em 2218— “foi a disseminação da escrita como principal forma de comunicação o que criou as condições para a sua própria morte”. O alfabeto latino, este fantástico conjunto de 26 letras que, combinadas infinitamente, podem nomear realidades tão distintas quanto “sol”, “cunilingus”, “schadenfreud” e “Argamassa Cimentcola Quartzolite”, começou sua lenta caminhada em direção ao brejo em setembro de 1982.

Foi ali, não muito depois da derrota do Brasil para a Itália de Paolo Rossi, que o cientista da computação Scott Fahlman sugeriu a colegas de Carnegie Mellon University, com os quais se comunicava online, usarem :-) para distinguirem as piadas dos assuntos sérios. Mal sabia o tal Scott que aquela inocente boca de parêntese era o protótipo da goela que viria a engolir quase 3.000 anos de alfabeto como se fosse uma sopa de letrinhas.

Os emoticons se espalharam pelo mundo com o ICQ, os chats e, principalmente, os celulares, mas nem todos os seres humanos aderiram imediatamente à moda. Alguns se recusaram por conservadorismo, alguns, por uma burrice gráfica atávica que os impedia de compreender as imagens, como certa pessoa que dorme na minha cama e não é minha mulher. Essa pessoa levou anos se perguntando por que tantos amigos e amigas, do nada, haviam perdido os modos e passado a lhe enviar imagens de um pênis, de lado, vestindo um chapéu de festa infantil: <3. Felizmente, a pessoa que dorme na minha cama e não sou eu explicou à pessoa ao seu lado que não se tratava de um pênis aniversariante, mas de um coração.

Emoticons foram o início do fim, mas só o início. O coaxar dos sapos no brejo começou a incomodar mesmo com a chegada dos emojis. Confesso que, de novo, demorei pra entrar na onda. Desta vez não por burrice, mas por senso do ridículo. Quando que um adulto como eu iria mandar pra outro adulto um “smile” bicudo soltando um coração pelo canto da boca, como se fosse uma bola de chiclete? Nunca! “Nunca”, no caso, revelou-se estar a apenas uns cinco anos de distância da minha indignação.

Hoje eu mando coração pulsante pra contadora que me lembrou dos documentos do IR, mando John Travolta de roxo pro amigo que me pergunta se está confirmado o jantar na quinta e, se eu pagasse imposto sobre cada joia que envio daquele mãozão amarelo, não ia ter coração pulsante capaz de fazer minha contadora resolver a situação.

“Em meados do século 21” —escreverá o historiador de 2218— “a humanidade abandonou o alfabeto e passou a se comunicar só por emojis”. A frase, claro, será toda escrita com emojis. Haverá tantos, tão variados, que será possível citar Shakespeare usando apenas desenhinhos. (Shakespeare, aliás, dá pra escrever. Imagem de milk-shake + duas chaves (keys) + pera (pear). Shake + keys + pear).

Teremos voltado ao tempo dos hieróglifos e não me assombra se as condições de vida regredirem às do antigo Egito, mas ninguém se importará, cada um de nós hipnotizado pela tela que tantos apregoaram ser uma nova pedra de Roseta, capaz de traduzir o mundo em nossas mãos, mas que no fim se revelou só um infernal e escravizante pergaminho. :-(

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.