Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu

Nunca antes na história deste país

Tom Jobim disse que o Brasil não era para principiantes, mas nem sequer é para iniciados

Adams Carvalho

É sexta-feira. São 18h02. Passei o dia com o controle remoto na mão e um gosto amargo na boca, esperando o Lula se entregar à polícia. No meio da tarde, mandei email pro jornal, avisando que iria atrasar. Nunca foi tão difícil escrever uma coluna.

Me sinto agachado numa trincheira entre o tiroteio dos que acreditam que a prisão do Lula é um complô dos brasileiros ricos com a CIA e o Moro para entregar nossas minas de nióbio ao capital estrangeiro e os que têm certeza absoluta de que o Lula é a encarnação do mal e que sua prisão representa um momento ensolarado da nossa história, sinal de que caminhamos a passos largos para um futuro virtuoso. Qualquer um que tome um destes dois lados está, como se diz por aí, ou mal informado ou mal-intencionado. Ou ambos.

Tom Jobim disse que o Brasil não era para principiantes. A realidade, de 2013 para cá, prova que o Brasil não é nem sequer para iniciados. Vamos levar alguns anos, talvez muitos, para entender o sentido do que está se passando. 

Os acontecimentos são ambivalentes, polivalentes, contraditórios. Lula foi de longe o melhor presidente que este país já teve e foi condenado porque de fato recebeu de presente um apartamento de uma empreiteira que desviou rios de dinheiro público e despejou parte desta fortuna nos cofres do PT. A Lava Jato é um avanço indiscutível num país em que a impunidade é a regra e a Lava Jato é parcial e atropela direitos. É preciso ser um avestruz e enfiar a cabeça na própria bolha do Facebook para não aceitar todas essas afirmações como verdadeiras.

A eleição do Lula foi um sopro de esperança num país que, desde sempre, foi governado pela mesma meia dúzia, para a mesma meia dúzia. Houve um momento na década passada em que todos, mesmo aquela meia dúzia (que, aliás, continuou governando ao lado do Lula), acreditamos que o Brasil ia dar certo. Que éramos como Mané Garrincha, apesar das nossas pernas tortas, por causa de nossas pernas tortas, sairíamos driblando como ninguém. Lula era o protótipo do sonho brasileiro, o self-made-man tupiniquim vindo da miséria em Garanhuns e eleito presidente, o personagem mais brasileirissimamente hollywoodiano que este país já produziu. E milhões saíram da miséria. E milhares conseguiram bolsas em faculdades. E a economia cresceu. E roubou-se a torto e a direito. 

Roubou-se como “nunca antes na história deste país”? Impossível saber, porque antes não se investigava. Veja como é contraditório: Lula só foi preso porque deixou que o Ministério Público e a Polícia Federal agissem sem amarras, como “nunca antes na história deste país”. Mas o fato de que sempre se roubou não legitima a roubalheira do PT. E haver roubalheira no PT não deslegitima tudo de bom que o PT fez. Não foi pouco —nem o que fez de bom, nem a roubalheira. O Brasil não é para principiantes. Nem para iniciados.

Logo após vencer as eleições de 2002, Lula disse que “A esperança venceu o medo”. Com toda a corrupção revelada pela Lava Jato, com o desastre econômico do governo Dilma e a hábil orquestração dos abutres que agora estão no poder, lavando todos os seus pecados nas águas do antipetismo, o medo está de volta. A prisão do Lula é a prova definitiva de que aquela esperança morreu. Viva a esperança!

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