Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu

Todo ruivo é burro

Quem olha só para os extremos das redes se perde dos 90% de silenciosos

Em conversas com leitores pelos SESCs, escolas e Bienais da vida, algumas perguntas são obrigatórias. Entre elas: “Você se preocupa com a repercussão das suas crônicas nas redes sociais?”. 

Digo que não muito, pois quem se dá ao trabalho de ir até o Twitter ou Facebook para elogiar ou esculhambar um texto são os 5% que adoraram e os 5% que detestaram. Se você olhar só para os dois extremos vai se perder dos 90% silenciosos que são a maioria dos seus leitores. 

Tem muita gente que escreve pra agradar os 5% que aplaudem ou, como também é muito comum, para alfinetar os 5% que criticam. Esses últimos acham que se conseguiram enfurecer um monte de gente, devem ter tocado num ponto nevrálgico da contemporaneidade. Bobagem. Enfurecer é facílimo. Basta escrever, digamos, que todo ruivo é burro e pronto: todos os ruivos do Brasil ficarão revoltados. Com razão.

Adams Carvalho/Folhapress

A reação à provocação é semelhante à suscitada por um condômino que resolve pregar quadros às duas e dezessete da manhã. Naquela madrugada, durante várias horas, o interfone dele ficará em primeiro entre os mais acessados do prédio. Ohhhh! Sucesso! Termino a resposta aos leitores dizendo que, por isso tudo, não me importo muito com a repercussão do meu trabalho nas mídias sociais. Muito maduro. Muito equilibrado. Muito mentiroso.

Acordo domingo e a primeira coisa que eu faço antes de sair da cama é xeretar Facebook e Twitter atrás de possíveis menções à minha crônica. Abro o Face e já clico direto no meu nome, lá no alto, pra ver se tem posts em que fui tagueado. 

No Twitter vou correndo pro sininho. Dia bom, mas bom mesmo, é quando de manhã o sininho do Twitter já mostra “20+”. É claro que se tratam dos 5% que adoraram ou dos 5% que detestaram, mas não importa, ali eu não estou tentando ser inteligente ou sensato pro público do SESC, da Bienal, pros alunos de uma escola, estou deitado na cama, o lençol cobrindo a minha vaidade.

Dia ruim, mas ruim mesmo, é quando termino de fazer o tour narcísico, procurando meu rosto refletido no laguinho do iPhone, minha mulher pergunta “A crônica fez sucesso?” e eu respondo “Nada, hoje só a Neviani”. 

Faz pelo menos cinco anos que toda a crônica que eu escrevo, sem uma única exceção, é divulgada bem cedinho, todo domingo, via Twitter e Facebook, por esta minha companheira incansável, cujo rosto nunca vi, cuja mão jamais apertei, porém mais de uma vez me salvou de voltar do tour digital sem um único share para chamar de meu. 

Semana passada, depois de anos de ingratidão, resolvi entrar na página da Helena Neviani para agradecê-la. E qual não foi a minha perplexidade ao descobrir que ela dá share em praticamente todos os colunistas do Brasil? Helena Neviani não é a presidenta do meu fã clube, um anjo da guarda dedicado a me proteger do fracasso, é um hub jornalístico, uma Estação Sé do periodismo nacional. E eu achando que era comigo, que quando os 5% de elogios falhavam eu podia contar com este 0,00001%, que, dando seu share lá de Ribeirão Preto (vi no perfil), me dizia, “Adorei, Antonio! Siga em frente! Não desista!”. 

Muito triste. Mais triste ainda é suspeitar que a partir de agora, com a Helena Neviani enfurecida por meu texto —feito um ruivo chamado de burro—, eu não poderei mais contar nem mesmo com seu apoio nos domingos de solidão. Melhor eu começar a acreditar no que digo por aí.

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