Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Podcasts

Não sei como eu aguentava minha vida

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Eu era infeliz –e sabia. Havia momentos alegres, é claro, mas as viagens entre uma alegria e outra eram longas e tediosas. Parado na 23 de Maio, via os galhos ressequidos do que há tão pouco tempo tinha sido um orgulhoso jardim vertical e pensava: sou eu envelhecendo no trânsito.

No restaurante, esperando a comida chegar, arrastando-me pelo Instagram entre fotos de celebridades gatas e gatos de celebridades, balbuciava: a vida deve ser mais do que isso. No supermercado, empilhava as latas de atum na esteira do caixa e me sentia empilhando os minutos a irem pro saco –os sacos são recicláveis, os minutos, infelizmente, não. Então eu descobri os podcasts. Hoje sou feliz –e sei.

Embora os podcasts existam há quinze anos, foi só lá por 2017 que me viciei e passei a andar pela rua com fones no ouvido –hábito que havia perdido no fim da adolescência, quando os fones eram plugados a um trambolhudo e "water resistant" walk-man amarelo. 

ilustração de uma criança com fones de ouvido
Adams Carvalho/Folhapress

Agora, se o trânsito para já não tem mais problema: não estou na 23 de Maio e sim ouvindo o Phillip Roth falar ao programa de entrevistas Fresh Air (obrigado, Daniella!) sobre a morte, Deus e os usos heterodoxos do bife de fígado; estou ouvindo Jerry Seinfeld e Larry David contarem sobre os primórdios da melhor sitcom de todos os tempos; estou acompanhando uma entrevista com o cientista encarregado de um celeiro gigante no fundo de uma caverna high-tech e gelada no Círculo Polar Ártico, onde um convênio internacional está estocando todas as sementes de todos os vegetais comestíveis cultivados pelo homem para que, no caso de uma hecatombe, nós possamos começar tudo de novo. 

Agora, no restaurante, enquanto a comida não chega, ouço em Radiolab (valeu, Chico!) um astronauta direto da Estação Espacial Internacional, orbitando a Terra a quase 28 mil quilômetros por hora, descrever a visão do sol nascendo, dourando o Atlântico e acendendo as nuvens.

Enquanto empilho atuns na esteira do supermercado, ouço o depoimento de Sean, um assento do metrô de Nova York, ao Everything is Alive (grande dica, Sérgio!), entrevistas de ficção em que, além do assento do metrô, um travesseiro, uma lata de refrigerante, um poste e outros objetos dividem conosco um pouquinho de suas vidas. (Atenção: a entrevista de Tara, a barra de sabonete, não é aconselhável para menores ou pessoas sensíveis aos pensamentos de uma barra de sabonete enquanto percorre certos rincões de nossa anatomia). 

No último semestre, ouvindo o brilhante Presidente da Semana, aqui da Folha, aprendi sobre todos os presidentes brasileiros, de Deodoro da Fonseca ao general Mourão, ops, perdão, ao Jair Bolsonaro.

Compreendo melhor as notícias da semana com os debates ao mesmo tempo embasados e hilários do Foro de Teresina, da revista piauí. Em Invention, tive uma aula de 52 minutos sobre a história dos óculos escuros. Em Primeiro Tratamento, descubro o que pensam meus colegas roteiristas e outros profissionais do audiovisual brasileiro.

Até o ano passado havia 550 mil podcasts ativos, com mais de 18 bilhões de episódios. São programas em todas as línguas, sobre todos os assuntos, para todos os gostos. De história a pasta de dentes, passando por bondage e sado-masoquismo. Não sei como eu aguentava a minha vida até descobrir os podcasts. Só lembro que era infeliz –e sabia.

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