Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

E se?

Tem sentido? Não tem

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Adams Carvalho/Folhapress

Lá pelo fim da festa, no meio de mais um papo deprimente e idêntico a tantos outros que venho tendo nos últimos meses, cujo título poderia ser “como-diabos-o-Brasil-degringolou-desse-jeito-e-agora-meu-Deus-será-que-algum-dia-a-gente-sai-do-atoleiro?!”, o amigo historiador põe a mão no meu ombro e confessa, menos influenciado por Hegel, acho, do que por merlot: “Cara, a verdade é que a história não tem sentido nenhum. A gente fica lendo, tabulando, analisando, tentando achar as forças por trás dos acontecimentos, mas é tudo uma bagunça, é um monte de bola de sinuca batendo num monte de bola de sinuca. Um fala que a bola vermelha foi pra caçapa do meio porque foi desviada pela bola azul, aí o outro fala que a azul só desviou a vermelha porque a preta bateu na azul antes, mas na real é tudo zoado e sem lógica e basta tirar uma bola ou colocar outra bola ou mudar a inclinação da mesa ou a direção do vento e o resultado é outro. Visigodos... Arquiduque Ferdinando... Hitler sendo recusado na Academia de Belas Artes de Viena... 
A flora intestinal do Tancredo... A facada no Bolsonaro... Uma única bola que vem do nada e pá! Muda tudo”.

Tento argumentar a favor de algum sentido —já é suficientemente difícil viver num mundo sem Deus. Meu amigo, então, começa a me bombardear com perguntas. “E se o Movimento Passe Livre nunca tivesse existido e nunca tivesse começado as manifestações que explodiram em 2013? E se o MPL tivesse existido, mas em 13 de junho de 2013, na esquina da Consolação com a Maria Antônia, a PM não tivesse descido o sarrafo nos manifestantes, fazendo com que, quatro dias depois, um movimento de 10 mil se transformasse em centenas de milhares pelo Brasil? Haveria panelas, impeachment, Bolsonaro?”.

“E se o PT não tivesse insistido em lançar Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara em 2015, mesmo estando evidente que ele perderia para Eduardo Cunha? Haveria impeachment? E se não houvesse? O Brasil chegaria a 2018 em pandarecos, a Lava Jato talvez seguisse priorizando o PT, Aécio não apareceria no radar de Moro e seria eleito presidente no primeiro turno? E se Lula tivesse sido o candidato contra Aécio, em 2012?”.

“E se Bolsonaro não tivesse levado a facada? Ir aos debates revelaria mais cedo ao país que, como disse Fernando Barros no podcast Foro de Teresina, da revista piauí, ele não era o Pinochet, mas o Sassá Mutema? E se Bolsonaro tivesse morrido com a facada? O país votaria no general Mourão? E se Luciano Huck tivesse saído candidato pelo PSDB? Aglutinaria todos os desgostosos com a “velha política”? E se Luciano Huck tivesse saído pelo Novo? O Novo seria o que hoje é o PSL? E se o PT não tivesse lançado candidato, Ciro Gomes teria ido ao segundo turno e bateria Bolsonaro?”.

“É curioso como basta mudar uma única pecinha dessas e estaríamos agora debatendo o aprofundamento da social democracia ou a irrupção do liberalismo brasileiro e não como um boçal que não junta lé com cré e pede para que se comemore a ditadura pode ser o nosso presidente. As mesmas forças sociais, nos mesmos momentos, com diferentes bolas roladas, levam pra lugares opostos. Tem sentido? Não tem. Vamos falar de série. Você viu ‘Boneca Russa’?”.

Encaro meu amigo por um tempo. “Cara, se você pensa assim, por que é historiador?”. “Não sei. Todo dia eu tenho vontade de largar tudo e abrir uma pousada em Caraíva.” Dou um gole na cerveja, respiro fundo, vejo uma nova e inesperada bola de sinuca rolar sobre o feltro verde do meu futuro próximo e ouço sair da minha boca: “Se precisar de um garçom...”.

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