Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Zoom

Na reunião online, cada um segue um metrônomo próprio

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Uma reunião por computador é paradoxalmente mais distante e mais próxima do que um encontro presencial. Mais distante por razões óbvias: as pessoas estão reduzidas a duas dimensões, presas em quadradinhos numa tela. Por outro lado, somos brindados com uma pequena moldura de intimidade alheia que não seria revelada em torno da mesa de um escritório.

Vemos a sala ou o quarto dos outros. A estante de livros. Vejo uma boina pendurada no cabide de um colega de trabalho que eu julgava discreto e austero. Em que ocasião ele usa essa boina? Será que meu colega não é careta e austero coisa nenhuma e aos domingos veste a boina, acende um cachimbo e pinta telas com nus gigantes?

Além da moldura domiciliar, há mais intimidade no Zoom pela liberdade de olharmos para onde quisermos. Numa conversa presencial, devemos manter os olhos colados nos olhos de quem fala. Numa reunião via Zoom com 30 pessoas a gente pode escolher qualquer dos quadradinhos e ficar ali examinando o infeliz, reparando em suas orelhas, seus óculos, suas expressões. (Faça isso presencialmente e você vai soar como tarado ou serial killer. Ou serial killer tarado.)

Com algumas semanas de quarentena, a escola dos meus filhos mandou as instruções de como seriam as "aulas" dali em diante. Receberíamos apostilas e lições por email e algumas aulas seriam dadas on-line, a cada semana, via Google Meet. Imaginei que as aulas on-line não seriam problema, as crianças de cinco e seis anos adorariam ver a professora e os colegas, mas que eu teria dificuldade de colocá-los para fazer lição de casa.

Estava completamente equivocado. Os dois fazem páginas e páginas de contas de mais e de menos e preenchem toda a apostila de português sem problema, mas quase sempre se recusam a entrar na aula on-line.

Ilustração de Adams Carvalho para coluna de Antonio Prata de 14.jun.2020
Ilustração - Adams Carvalho

Li no New York Times uma matéria que me trouxe hipóteses sobre as dificuldades dos meus filhos. O texto falava da importância que damos, em nossas interações sociais, às imediatas respostas faciais e corporais das outras pessoas. A cada instante vamos moldando nosso discurso pelos sorrisos, sobrancelhas arqueadas ou braços cruzados dos nossos interlocutores.

Numa reunião online cada um tem uma qualidade de conexão diferente e as reações chegam embaralhadas, às vezes com vários segundos de atraso. Ficamos sem um feedback confiável sobre como estão recebendo nossas informações.

É por isso, aliás, que a gente se atropela tanto numa reunião online. Ao vivo, sabemos interpretar perfeitamente o fluxo da conversa. Lemos no outro a antecipação de uma pausa, num outro a intenção de uma fala, num outro, ainda, a disposição para a briga. Uma conversa de várias pessoas é uma sinfonia emocional cuja partitura a seleção natural nos moldou, por milhares de anos, para ler. Na reunião online, cada um segue um metrônomo diferente.

Para as crianças, suponho, essa confusão é ainda mais desagradável. Elas estão aprendendo a interagir com os outros. As reações distintas passam a elas a mensagem de que não estão sendo ouvidas com interesse, de que estão sendo ignoradas ou mal interpretadas.

O medo da criança no Zoom é o mesmo medo do quarto escuro: ela preenche o que não consegue ver com as suas angústias. Os pequenos narcisos que ainda não conseguem enxergar direito seus rostos refletidos no lago apavoram-se ao ver o reflexo ondulante, como se uma pedra tivesse sido atirada na água. E quem poderá afirmar que não foi?

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