Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Procurando Nemo... em Seropédica

Pensei que boas notícias estivessem extintas, assim como um peixinho de 3 cm

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Vocês não vão acreditar, mas acabei de ler uma boa notícia. Eu sabia que elas existiam, pois me lembro do passado. Antes de 2013, acontecia de topar com uma ou outra boa notícia por aí, mas de lá pra cá o mundo foi pirambeira abaixo e pensei que estivessem extintas —assim como pensaram os cientistas sobre um peixinho de 3 cm chamado Leptopanchax opalescens.

Em 2019, porém, biólogos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro encontraram 80 destes peixes dourados dentro de uma poça d’água, em Seropédica. Achavam que um animal estava extinto e ele não está: eis a boa notícia.

Calejado pela última década, não acreditei que a notícia pudesse ser realmente boa. O próprio título da matéria no Ecoa, canal do UOL, já me trazia alguma desconfiança de que, por trás da boa notícia de 3 cm haveria uma má notícia de 16 toneladas: “Peixe raro com menos de 3 cm ‘para’ indústria bilionária de alimentos no RJ”.

Pronto, pensei. Acharam os peixinhos na poça, mas a indústria bilionária de alimentos os transformou em salsicha, acimentou a poça e construiu um estacionamento.

Antes de falar da indústria bilionária de alimentos, uma informação incrível sobre o Leptopanchax opalescens: ele só vive em poças d’água.

Ilustração semelhante a uma gravura de um peixe azul. Logo baixo dele, está escrito "LIMITADO"
Adams Carvalho/Folhapress

Olha que coisa: os peixes copulam e põem ovos. Quando acaba a estação de chuvas, a poça seca, os peixes morrem e os ovos ficam enterrados. Quando volta a chover, os ovos eclodem. Nenhuma geração jamais conheceu outra. Pais e mães nunca viram os filhos e vice-versa. A espécie acredita que o mundo é feito só de irmãos e primos.

Voltemos à indústria bilionária de alimentos. Ela não fez salsicha com os peixes. Ela queria era construir uma fábrica para fazer salsichas (de porco, presumo, a matéria não informava) no terreno em que estavam os peixes.

“A BRF S.A, uma fusão entre as empresas Sadia e Perdigão, atendeu a uma exigência da secretaria ambiental estadual para inspecionar a existência de espécies ameaçadas de extinção na fábrica em Seropédica. O procedimento é de praxe e a empresa investiu na Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da UFRRJ, que enviou biólogos para analisar o terreno”.

Parece ficção, né? Nesta altura do murundu mundial e nacional, no falido estado do Rio de Janeiro, uma empresa cumpriu uma exigência da secretaria estadual ambiental?! E contratou biólogos de uma universidade pública?! E não subornou os biólogos pra esconderem o achado?! Que pessoas são essas, minha gente?! Eles não conhecem Ricardo Salles? Bolsonaro? Não sabem como funciona este país? Aparentemente, não.

A empresa mudou o projeto da fábrica para não afetar a área do achado, de modo que estes peixes, que há milhares de anos migraram do mar para as poças d’água, possam continuar com sua fraternal existência.

A matéria, escrita por Marcos Candido, termina de forma magistral: “Ecoa entrou em contato com a empresa para informar mais detalhes, mas a BRF afirma que o porta-voz responsável pelo tema está de férias”.

Queria agradecer a todos os envolvidos neste sopro de esperança. Desejar boas férias ao porta-voz responsável pelo tema e pedir que na volta à labuta ele espalhe a notícia, para que outras empresas, órgãos de proteção ambiental e cientistas trabalhem da mesma forma, tão contrária à cultura nacional.

Agora me deem licença que vou ali na sala dar outra boa notícia, desta vez para as crianças: hoje jantaremos cachorro-quente, assistindo a “Procurando Nemo”.

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