Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Cogumelos

Fungos são coisa de mitologia grega, de orixá casca grossa, um yin-yang

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Micélio: passei 43 anos sobre a Terra sem ouvir falar neste tesouro escondido nela. Dizer que micélio é a “raiz” dos fungos não dá conta nem da ponta do iceberg submerso nas florestas, numa rede de troca de nutrientes e informações apelidada de “Wood Wide Web”.

Uma árvore doente se comunica com as parentes das redondezas por esse telégrafo fúngico: as primas mandam nutrientes pelos mesmos fios; os fungos (cogumelos fazem parte do reino) cobram uma pequena porcentagem pelo serviço.

Uma árvore bem relacionada pode morrer e ficar décadas de pé, com auxílio dos “aparelhos” familiares, via drenos micélicos. (Assista ao documentário “Fantastic fungi”, leia “A Vida Secreta das Árvores”, de Peter Wohleben, “A Revolução das Plantas”, de Stefano Mancuso, “Entangled life”, de Merlin Sheldrake, em breve disponível em português, numa parceria das editoras Ubu e Fósforo.

Ouça os podcasts “Why is it so hard to get our head around fungi”, no “Science Weekly”, do “Guardian” ou “Fungus amungus”, no “Radiolab”).

Ilustração com um ponto branco no centro e 3 linhas curvas que aumentam de tamanho conforme vão indo para fora de cada lado do ponto. O fundo é laranja com manchas pretas em cima.
Adams Carvalho/Folhapress

Fungos são uma forma de vida curiosa. Às vezes se assemelham às plantas, às vezes aos animais.

São eles que decompõem tudo que morre, criando a matéria orgânica para tudo o que nasce. Foram a primeira forma de vida a ressurgir dos escombros de Tchernóbil, não só resistindo ao material radioativo mas digerindo-o.

Coisa de mitologia grega, de orixá casca grossa, um yin-yang sobre o qual só estamos começando a aprender. Calcula-se que existam entre dois e seis milhões de espécies de fungos, das quais catalogamos menos de 200 mil.

Embora, evidentemente, não tenham um sistema nervoso central, fungos são capazes de “resolver” problemas extremamente complexos.

Numa placa de Petri (aqueles vidrinhos de fazer experiências), Toshiyuki Nakagaki, da Universidade de Hokkaido, imprimiu em relevo o mapa de Tóquio. Pôs de um lado o fungo Physarum polycephalum e de outro uns flocos de aveia.

Primeiro, o fungo lançou-se em todas as direções, como uma multidão saída de Pinheiros, buscando por todas as ruas possíveis o bolo gigante na festa de Nossa Senhora Achiropita. Aos poucos, contudo, os “tentáculos” nos caminhos ruins começaram a definhar, enquanto as melhores vias se fortaleciam.

Ao chegar à aveia, o fungo tinha feito basicamente o trajeto do eficientíssimo metrô de Tóquio.Mais impressionante do que a localização matemática dos fungos, porém, é a “Teoria do Macaco Chapado”.

O cérebro dos primatas evoluiu para o humano num tempo curto demais, segundo os parâmetros da seleção natural.

Uma corrente de cientistas acredita que isso se deu pelo hábito que alguns macacos criaram de comer Psilocybe cubensis, também conhecido como “cogumelo de zebu”. Sob efeito da psilocibina, o cérebro adulto cria tantas conexões neuronais que, num exame de imagem, assemelha-se ao de uma criança de dois anos —fase em que mais desenvolvemos a cachola.

Muitas dessas conexões da “viagem” permanecem. Talvez, sugerem os cientistas, os fungos sejam um dos principais responsáveis por termos descido das árvores, escrito “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, criado a física quântica, a batata frita sabor picanha defumada light —e o xixi na tampa.

Se a barra pesar por aí, diante da pandemia e do pandemônio, mete a cara nos fungos. É um assunto muito mais interessante do que nossa humanidade bolorenta, que em breve vai virar nutriente distribuído no micélio para samambaias e chorões. Imagino o papo entre os cogumelos, agora mesmo, sob nossos pés: “Mano! Onde foi que nós erramos?”.

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