Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Descrição de chapéu Coronavírus

CPI ou: o elefante no microscópio

Investigação sobre responsabilidade de Bolsonaro será de inaudita complexidade

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Pois então, beirando meio milhão de mortos, criou-se uma CPI: teria o presidente Jair Bolsonaro alguma responsabilidade no desastre sanitário brasileiro? Dada a escassez de dados, será uma investigação de inaudita complexidade, para a qual eu sugeriria Sherlock Holmes, Hercule Poirot ou, na falta dos dois, qualquer pessoa acima de 14 anos minimamente alfabetizada.

Primeiro, será preciso analisar atentamente os inúmeros vídeos do presidente sem máscara, apertando mãos de gente sem máscara durante a pandemia. Depois, peritos poderão comprovar se: A) Era o presidente? B) Ele estava sem máscara? C) Ele estava apertando mãos? D) Havia uma pandemia?

Ilustração em tons de azul e amarelo do presidente Jair Bolsonaro usando a camisa da seleção brasileira de futebol. Ele segura um celular para fazer uma selfie. Ao fundo, várias pessoas aglomeradas
Adams Carvalho

Indagarão os congressistas: o líder máximo da nação, ao agir de forma diametralmente oposta à recomendada pela ciência, pelo próprio Ministério da Saúde e pela OMS, ao influenciar seus subordinados para que ajam com a mesma deliberada demência, proibindo álcool gel em sua sala e olhando torto para quem usa máscara, tem alguma influência nas 400 mil mortes? (Há quem diga que, devido à subnotificação, já passamos de 600 mil mortos, o que nos coloca como o país com mais vítimas por Covid-19 em todo o planeta).

A CPI exigirá dos senadores uma grande expertise digital: entrar no Youtube e digitar “pronunciamento Bolsonaro”, “Bolsonaro imita falta de ar”, “Bolsonaro e daí?”, “Bolsonaro cloroquina”. Talvez fosse o caso de dar uma olhadinha no Twitter e Facebook, também. Vai que ali, protegido pelo anonimato das redes, Jair defendeu cloroquina, tirou sarro de doentes, menosprezou mortos?

Uma questão cabeluda a ser respondida por PhDs em lógica: passar um ano falando mal de vacina, dizendo que não tomaria vacina, que não se responsabilizaria se alguém virasse jacaré por tomar vacina, chamando a vacina do Butantã de “vachina”, dizendo “a pressa com a vacina não se justifica” e “tem idiota nas mídias sociais e na imprensa, né, dizendo ‘vai comprar vacina’: só se for na casa da tua mãe!”, recusando onze ofertas (!!!!) de fornecedores de vacina, enfim, será que usar todo seu poder presidencial contra a vacina tem algum papel no fato de não termos vacina? De chegarmos a maio de 2021 com mais de 2.000 mortes por dia e apenas 10,8% da população plenamente vacinada? Será? Será? Hein? Será?

Haver demitido dois ministros da saúde que se negaram a receitar cloroquina em vez de máscara e distanciamento social pode ter tido algum papel na esculhambação brasileira no uso de máscaras e no distanciamento social? Pode ter a ver com o Ministério da Saúde ter enviado a Manaus, quando havia sido informado de todos os lados que o oxigênio estava acabando, milhares de pílulas de cloroquina?

Vejam a dificuldade desta CPI, meus caros: não é a discussão sobre um vírus, mas um profundo debate epistemológico. Indagar se o presidente tem culpa neste desastre por ele presidido desastrosamente equivale a se questionar: são os efeitos produzidos pelas causas? Se eu soltar um copo e ele cair, ter soltado o copo tem alguma relação com a queda? Um mais um é igual a dois?

Sem ironia: é bom que haja uma CPI fazendo perguntas sobre este crime humanitário. Uma vez que já sabemos as respostas, contudo, melhor seria que os congressistas tivessem um mínimo de decência e votassem o impeachment do assassino em chefe.

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