Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Laroiê, cogu!

Exu e os fungos têm inúmeras semelhanças

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Já escrevi aqui sobre o assunto, um ano e pouco atrás. Se volto ao tema é porque ele se liga a outro (do qual tratarei logo), como as raízes de duas árvores distantes se ligam numa floresta. Wood Wide Web é como os biólogos chamam a rede que conecta por baixo da terra todas as plantas de uma floresta ou mesmo de um jardim.

Os fios destas tramas gigantescas são os micélios, as "raízes" dos cogumelos. O micélio liga não só fungo com fungo, mas árvore com árvore. Através desta trama, trocam nutrientes e, veja só, informações. Pelo micélio uma árvore é informada sobre quais árvores da mesma espécie estão nas redondezas e, caramba, quais delas são suas descendentes. Assim, ao encontrar um broto que seja seu filho ou neto, as raízes da árvore mãe (ou avó) evitam competir com o rebento e ainda fazem uma rede de proteção em torno das pequenas raízes, dificultando a entrada de concorrentes. Fungos são, portanto, os mensageiros do reino vegetal.

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 26 de Junho de 2022, mostra o desenho de uma estrutura orgânica da cor rosa composta por hastes, círculos e letras.
Adams Carvalho/Folhapress

Fungos também são os lixeiros da natureza. Decompõem a matéria morta, adubando a terra para novas existências. Um pão embolorado pode nos passar uma ideia de decadência, dissolução. Tá certo. Tem disso. Mas o bolor tá prenhe de vida: sem a destruição do velho, o novo não nasce.

Há, além dessas duas, uma terceira característica muito interessante dos fungos. Para nós, eles podem trazer a morte (alguns são venenosos) e a cura (penicilina). Cogumelos são, portanto, seres ambíguos, "do bem" e "do mal", como diriam meus filhos. Também produzem, em humanos e outros mamíferos, o delírio (psilocibina, princípio ativo dos "cogumelos mágicos"). Em muitas culturas, eram (e são) usados como "enteógenos", ou seja, substâncias que propiciam a comunicação entre os homens e os deuses.

Deuses: aí enraíza-se a segunda ideia que plantei lá no começo. De uns tempos pra cá, por conta de um trabalho, comecei a estudar as religiões de matriz africana. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que Exu e os fungos têm inúmeras semelhanças?

Exu é o Orixá mensageiro. É ele quem faz a comunicação entre os homens e os deuses, levando e trazendo informações em troca de nutrientes (as oferendas?). Exu é uma espécie de micélio intermundos. Ele também é o responsável por sacudir aqueles que andam por aí como mortos-vivos e trazê-los de volta à vida. É o agente da mudança, da transformação. Às vezes a transformação é dolorosa, feia como o bolor.

Por isso, diz um ponto de umbanda (influenciado por nosso raso binarismo judaico-cristão): "Exu que tem duas cabeças/ Ele faz sua vida com fé/ Uma é satanás no inferno/ A outra é Jesus de Nazaré". Exu mata o velho para surgir o novo.

Fungos são um reino misterioso. Às vezes se parecem muito com o vegetal, outras vezes com o animal. (A comunicação através do micélio se dá por trocas químicas e impulsos elétricos, processo semelhante ao do nosso cérebro). Fungos são seres da encruzilhada, portanto. Como quem? Laroiê!

Os cogumelos, a parte visível dos fungos, são seus órgãos sexuais. Assemelham-se bastante, aliás, aos órgãos sexuais masculinos dos mamíferos. Em suas bases, porém, contêm a volva, estrutura em forma de copo. Exu é muitas vezes representado graficamente como um príapo, mas que segura uma cabaça, simbolizando o órgão sexual feminino, o que reforça sua ambiguidade também em relação ao gênero. Um falo com vulva.

O que tudo isso significa? Não faço a menor ideia, mas que é interessante pra burro, é, né?

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