Arminio Fraga

Sócio-fundador da Gávea Investimentos, presidente dos conselhos do IEPS e do IMDS e ex-presidente do Banco Central.

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Congresso vem se superando no front das reformas, mas agora cabe ao Executivo liderar

É preciso definir prioridades para aproveitar a janela que antecede as eleições

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A pauta econômica do Congresso está repleta de projetos importantes, na maioria dos casos polêmicos e complexos. Será necessário definir prioridades para aproveitar a janela que antecede as eleições municipais e suas campanhas. Este artigo oferece um resumo seletivo e comentado das principais propostas em discussão, organizadas em quatro blocos.

O primeiro tem foco setorial. No topo da lista está a revisão do marco legal do saneamento. Trata-se de uma antiga urgência, posto que quase a metade dos brasileiros não tem acesso a uma rede de esgoto e, dos que têm, apenas 45% têm seu esgoto tratado. Essa lei já foi aprovada na Câmara, num formato considerado adequado por especialistas. Deve andar. Tem que andar.

Nessa mesma categoria está a lei de resoluções bancárias, que versa sobre regras para lidar com crises financeiras. O Banco Central está sem as ferramentas necessárias para administrar uma crise pois a lei que existe (nº 6.024/74) está ultrapassada e obsoleta. Um projeto que preenche essa importante lacuna foi apresentado na virada do ano. O momento é ideal para examinar a questão, pois não há sinal de crise à vista. No entanto, pela mesma razão, provavelmente vai ficar para a próxima (crise).

Incluo nesse bloco também o projeto de lei complementar para modernizar e formalizar a governança do Banco Central (por meio de mandatos independentes para seus dirigentes) e seus objetivos (sendo inflação baixa o principal). Sua aprovação final neste semestre parece provável e ofereceria uma defesa mais robusta da estabilidade, uma conquista valorizada pela população.

O segundo bloco engloba medidas voltadas para reforçar o regime fiscal, que ainda não se recuperou plenamente do colapso ocorrido a partir de 2014. Duas reformas sinalizaram uma primeira resposta à crise: a introdução em 2016 do teto para o gasto público e a reforma da Previdência, aprovada no ano passado. As taxas de juros caíram bastante desde então, sobretudo as de curto prazo (influenciadas também pela brutal recessão).

A despeito dessas medidas, o governo segue gerando déficits primários, uma situação não sustentável, e o teto está ameaçado. Vai ser preciso encarar os obstáculos a cortes do orçamento, muito concentrado em gastos com Previdência e folha de pagamentos.

Para tanto, está em pauta a PEC Emergencial, que propõe que gatilhos automáticos sejam automaticamente disparados caso a regra de ouro seja desrespeitada ou a despesa corrente atinja 95% da receita corrente (exemplo: permissão de redução em 25% e por dois anos da jornada e da remuneração de servidores). A aprovação dessa importante PEC parece difícil. Está também em pauta uma PEC suplementar, que estende aos estados os efeitos da reforma da Previdência. Medida com objetivo similar foi aprovada pelas Assembleias do Rio Grande do Sul e de Goiás. Trata-se de um sinal auspicioso, que quiçá será seguido por outros estados.

O terceiro bloco trata do sistema tributário. Aqui estão em discussão dois grandes temas. Em primeiro lugar, uma reforma da tributação indireta que consolidaria o ICMS, PIS- Cofins, IPI e ISS em um único imposto sobre bens e serviços, livre de cumulatividades e subsídios espúrios. Essa simplificação racionalizaria e baratearia a atividade produtiva no Brasil, permitindo que as demandas dos consumidores fossem melhor atendidas e ao menor custo. Seu impacto seria imenso.

Essa reforma já conta com propostas bem desenhadas, mas terá que enfrentar resistências relevantes por parte dos estados que temem perder receita e dos setores que serão prejudicados. Destaca-se aqui o setor de serviços, de longe o maior da economia, e de longe o menos tributado. Há também dúvidas de natureza tática e de desenho. Faz falta um posicionamento por parte do governo federal, que precisa decidir se encara a reforma completa ou começa pela parte federal.

Ainda nesse terceiro bloco, em segundo lugar, discute-se há algum tempo a necessidade de uma ampla reformulação das regras do Imposto de Renda. A renda no Brasil é relativamente pouco tributada, inclusive em função da existência de regimes especiais como o Simples e o Lucro Presumido, que deveriam ser revisitados sob ótica distributiva. Desnecessário salientar que haverá forte oposição a mudanças nessa área, que mal começa a entrar no radar.

Por fim, mas não menos importante, uma reforma administrativa. O governo vem preparando há tempo uma ampla reforma que, ao que consta, alteraria a Constituição no que tange à área de recursos humanos do setor público. A ideia seria sobretudo viabilizar uma gestão mais eficaz do funcionalismo, de forma a aumentar a produtividade do Estado. Ao longo do tampo, haveria também economia fiscal.

Espera-se para depois do Carnaval uma proposta do Executivo. O presidente da República vem repetindo que a reforma deveria valer apenas para futuras contratações. Ora, se o caminho for esse, ficará bem prejudicada a urgente revolução de gestão, que precisa acontecer o quanto antes.

Há bastante espaço para, sem mudar a Constituição, fazer mudanças administrativas fundamentais. Simples leis podem melhorar e ampliar os vínculos temporários com o poder público, diminuir o número de carreiras, implantar o planejamento unificado da força de trabalho e, especialmente, impor a avaliação unificada de desempenho de todos os servidores.

Quanto ao tema polêmico da estabilidade, o artigo 41 da Constituição já foi mudado em 1998 para permitir que servidores estáveis percam o cargo "mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa". Ou seja, uma mudança radical da área de RH do Estado é possível sem alteração na Constituição e com a pressa que exige o quadro precário da gestão pública em nosso país.

Digno de nota aqui mais uma vez o Rio Grande do Sul, que recentemente reformou as carreiras do seu funcionalismo, um notável feito político.

A essa altura, deve estar claro a quem aguentou ler até aqui que não vai dar para fazer tudo ao mesmo tempo. O Congresso vem se superando no front das reformas. Agora cabe ao Executivo liderar. Um caminho razoável seria aprovar as leis do saneamento e do Banco Central e definir um caminho factível para as reformas tributária e administrativa.

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