Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

Quando o sucesso cultiva o fracasso

Isolamento funciona e dá margem para perguntarem: 'cadê os casos?'

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O sucesso do isolamento social é claro a cada país derrubando casos de coronavírus.

Na Alemanha, testes permitem acompanhar como cada medida de isolamento importou. Cancelar aglomerações como jogos encolheu o crescimento diário de casos de 30% para 12%. Fechar escolas e creches reduziu para 2%. Só com distanciamento obrigatório e comércio fechado conseguiram transformar crescimento em queda de 3% de casos.

Mesmo assim, céticos pró- Covid-19 distorceram uma narrativa contra o isolamento: o governador de Nova York teria se assustado pois dois terços dos seus hospitalizados haviam ficado em casa. Tiraram da conversa quantos conviviam com alguém que contraiu o coronavírus fora de casa.

Mas a explicação banal pode ser dada pelo paradoxo da prevenção, descrito em 1981 pelo epidemiologista Geoffrey Rose. Descrevendo medicina preventiva, ele demonstrou que portadores de colesterol muito alto são pouco numerosos entre os mortos por problemas cardíacos. Isso porque muito mais pessoas têm índices comuns e predominam em estatísticas. Segundo ele, "um número grande de pessoas exposto a um baixo risco tem mais chances de gerar mais casos do que um número pequeno de pessoas exposto a alto risco".

Milhões de pessoas em casa têm bem menos risco de se infectar, mas ainda podem gerar mais hospitalizações do que alguns milhares de trabalhadores se arriscando.

O sucesso do isolamento cultiva seu próprio fracasso. Previsões chocantes demandaram quarentena, as medidas foram adotadas e os casos deixaram de crescer. Um sucesso que dá margem para perguntarem: "Cadê os casos todos que estamos prevenindo?".

Cassandra dava previsões nas quais ninguém acreditava. Epidemiologistas dão previsões invalidadas por quem as leva a sério. São profecias autossabotadoras, como o bug do milênio. O mundo gastou bilhões resolvendo o problema e a virada foi tão tranquila que deu a impressão de que não era nada de mais.

O que fazer com quem sai de casa? A conclusão de Rose é social. Como pessoas de baixo risco são tão mais numerosas, estratégias massivas fazem bem mais efeito, mas são difíceis de implementar.

Uma medida que melhore um pouco os índices de colesterol de todo mundo teria um efeito enorme. Mas cada indivíduo tem pouco a ganhar com ela. Banir frituras poderia controlar o colesterol de milhões, mas milhares ficariam sem fritura para cada vida salva. Entre comer uma coxinha garantidamente gostosa ou deixar de comer por uma chance remota de saúde, a pergunta da maioria é "com ou sem pimenta?".

É o caso do isolamento. São dezenas de brasileiros restritos para cada um que evita o contágio. Sem benefício aparente, fica difícil. Para uma medida dessas funcionar, Rose propõe soluções como multas, leis e pressão social, já que a motivação própria será pequena. Como fazemos obrigando o uso cinto de segurança ou proibindo o cigarro, medidas aplicadas a muitos que beneficiam relativamente poucos.

"E a Suécia?", diz alguém que não prestou atenção. A Suécia não adotou isolamento obrigatório e é um dos países europeus com mais mortes proporcionais à população.

Melhor não ficar com o que fazem de controverso. Vamos ficar com o que o país faz de certo para não passar pelo que muitas cidades brasileiras passam, mesmo sem adotar medidas mais duras: alto IDH, educação de qualidade, saneamento universal e transparência política que faz com que seus cidadãos estejam entre os que mais confiam no governo no mundo. Confiança que tem feito falta por aqui.

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