Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

Quando vem a imunidade de rebanho?

Ainda nem sabemos se a imunidade contra a Covid-19 é de fato protetora

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(Sobre o uso do termo "imunidade de rebanho" no título: um termo melhor é imunidade coletiva; quem conta com ela para combater a Covid-19 nos trata como rebanho.)

Em algumas das regiões mais atingidas pela Covid, como cidades ribeirinhas na Amazônia e alguns bairros do Rio de Janeiro onde mais de 20% da população chegou a contrair o vírus, os casos parecem estar caindo. E alguns interpretam essa contradição sugerindo que, nesses locais, a proporção de pessoas curadas talvez seja suficiente para conter a circulação da doença.

Mas, nos surtos do navio de cruzeiro australiano Greg Mortimer e do porta-aviões francês Charles de Gaulle, por volta de 60% dos seus ocupantes contraíram o novo coronavírus, mesmo tentando fazer isolamento e com uma tripulação de militares atléticos.

O termo imunidade de rebanho apareceu quando pesquisadores observaram que infecções de camundongos de laboratório poderiam acabar antes de todos serem atingidos.

O mesmo se viu com crianças e o sarampo antes de uma das maiores invenções da humanidade: as vacinas. Todo ano o sarampo voltava, mas a cada três ou quatro anos seu estrago era muito maior.

Na década de 1930, começamos a entender melhor o fenômeno. O sarampo circulava até atingir a maioria das crianças. Quando a maior parte delas já havia se curado ou morrido, a maioria das pessoas que o vírus encontrava já estava imune e os casos caiam, mesmo com algumas crianças ainda vulneráveis. Depois de alguns anos, quando já haviam nascido mais vulneráveis, a doença voltava com força.

Com as vacinas, a imunidade coletiva passou a ser desejável. Ela dá o limiar de imunização de uma comunidade a ponto de impedir uma doença de circular, protegendo mesmo quem não pode ser vacinado. É o que costumávamos fazer para controlar o sarampo até alguns anos atrás, quando o movimento antivacina resgatou a moda da mortes infantis por doenças evitáveis.

Isso porque quanto mais transmissível a infecção, maior tem que ser o limiar de imunização para conter seu espalhamento. O vírus influenza, que costuma ser transmitido para pouco menos de duas pessoas, deixa de circular quando por volta de 40% das pessoas de uma região se imunizaram ou se curaram. Já o vírus do sarampo, que regularmente infecta mais de dez pessoas para cada infectado, só é contido quando mais de 90% de uma população está imune.

E a Covid? Para começar, não sabemos se a imunidade contra ela é protetora. É um grandessíssimo "se", que só deve ficar mais claro com os testes de vacinas.

Se a proteção acontecer, estudos estimam valores que vão de 20% a 85% de imunização. A maioria aponta para algo entre 40% e 70%. Mas contar com qualquer limiar desses seria crueldade. Mesmo se "só" 20% dos brasileiros curados no Placar da Vida fossem suficientes, tratando pessoas como rebanho ainda seriam 40 milhões de infectados, centenas de milhares precisando de internação em dezenas de milhares de leitos de UTI, e pelo menos 200 mil mortos, usando as estimativas mais otimistas de fatalidade de 0,5% dos infectados.

E os navios já mostraram que os números podem ser pelo menos três vezes mais altos. Ou seja, segurar o vírus na base de distanciamento e máscaras ainda é a saída mais humana. Com uma segunda vantagem: com essas medidas podemos reduzir o número de pessoas que alguém doente infecta, o que tem o potencial de reduzir o limiar de imunidade coletiva. Essa seria a oportunidade perfeita de atingirmos a imunidade coletiva com vacinados, ao invés de contar com o rebanho de brasileiros curados.

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