Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino
Descrição de chapéu Coronavírus

Por que variante de coronavírus surgiu agora e em Manaus?

Do ponto de vista da epidemia, placar de curados não quer dizer mais nada

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Depois de quase um ano de pandemia, vários países encontram quase simultaneamente variantes preocupantes. Por que só agora?

A resposta parece ser a pior de todas: escape da imunidade.

Sabemos que a variante P.1, descoberta em Manaus, é muito preocupante por duas mudanças reconhecidamente perigosas. Uma delas, chamada N501Y, também foi encontrada nas variantes que circulam no Reino Unido e na África do Sul. E no Reino Unido, onde foi estudada, determinaram que pode aumentar pelo menos a transmissão do vírus entre 30 e 70% e talvez mude sua letalidade.

A outra mudança importante é a E484K, encontrada primeiro na África do Sul, que parece diminuir o efeito protetor dos anticorpos contra o vírus.

Essas mudanças parecem ter acontecido de forma independente ao redor do mundo. São o que chamamos de evolução convergente, quando eventos distintos convergem para uma mesma solução.

Sinal de que é uma solução importante, mas para qual problema?

Dentro de cada pessoa infectada pelo coronavírus, as células atacadas produzem milhares de novos vírus que podem vir cheios de defeitos de fabricação, as mutações. Mesmo assim, o coronavírus se manteve bem conservado por praticamente um ano depois de dezenas de milhões de casos, pois já era bem competente sem mudanças.

Se as mudanças se acumulassem por acaso, veríamos variantes como a P.1 pelo mundo todo. Veríamos essa mudança primeiro em São Paulo ou no Rio de Janeiro, onde tivemos muito mais casos do que Manaus. E veríamos variantes intermediárias, não uma variante como a P.1 que tem outras 15 mutações além das duas que sabemos serem importantes.

Provavelmente, os vírus com só algumas mudanças são menos competentes em se espalhar do que o original. A variante P.1 precisou acumular 17 mutações até explodir em casos em Manaus.

E por que Manaus? A resposta pode vir de experimentos e observações.

Em laboratório, no experimento feito na Rockefeller University, o que selecionou as mudanças E484K e N501Y foram anticorpos de quem havia se curado.

Nos testes clínicos da vacina Novavax na África do Sul, a variante com essas duas mutações infectou mais vacinados do que o vírus comum e, entre os não vacinados, infectou quem já havia se curado de Covid como se não tivessem imunidade. Aqui no Brasil, em Manaus, já encontramos casos da variante P.1 reinfectando quem já teve Covid e deveria estar imune.

Todos esses resultados indicam que a imunidade dos curados deve selecionar variantes. Isso explicaria o vírus surgir em Manaus, uma capital onde até três quartos da população teve Covid no começo de 2020, segundo estudos.

Depois dessa catástrofe epidemiológica, a circulação das pessoas e até as aulas foram retomadas, e o coronavírus teve muita oportunidade de tentar infectar quem já havia se curado. E a variante que escapou dessa imunidade agora tinha a comunidade toda para infectar novamente.

Para combater a dengue, também precisamos eliminar os focos de reprodução do mosquito. Usando só inseticida, damos muito mais chance de mosquitos resistentes ao veneno surgirem. Com a Covid, contar só com a "imunidade natural" dos curados, sem vacinas e sem controle de casos, parece ser a receita para o surgimento de variantes que infectam os curados.

Manaus já enfrenta uma onda de casos em 2021 pior do que em 2020. Do ponto de vista da epidemia, os milhares de mortos e sequelados pela negligência foram "em vão". O placar de curados não quer dizer mais nada.

E ainda podemos ter selecionado vírus que estão um passo mais adiante de escapar de vacinas. Nossa negligência criou esse monstro e vamos encontrá-lo pelo país todo.

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