Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

Varíola: um novo vírus, com velhos erros

A ciência tem muitos avanços que nos permitem evitar os mesmos problemas

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O HIV atingiu muito mais pessoas por conta de uma série de erros humanos. O vírus circula entre humanos desde o começo do século 20, com os primeiros casos rastreados até a região da República Democrática do Congo. Mas foi reconhecido primeiro na população gay da Europa e dos EUA no começo da década de 1980, quando jovens começaram a sofrer com infecções atípicas, com a destruição do seu sistema imune.

Em uma época em que antibióticos tratavam muitas das infecções sexualmente transmissíveis e a camisinha era encarada mais como um método anticoncepcional, gays tinham mais relações desprotegidas com novos parceiros, o que favoreceu a transmissão do HIV inicialmente entre eles.

Essa relação aparece já no primeiro nome que a doença causada pelo vírus recebeu: GRID, ou Gay-Related Immune Deficiency, a imunodeficiência relacionada aos gays. No Brasil, chegou inclusive a ser chamada de peste gay. O que contribuiu para o vírus se espalhar entre gays, que foram ainda mais estigmatizados, em vez de serem acolhidos, e entre heterossexuais, que não se sentiam vulneráveis a um vírus que só afetaria gays, em vez de tratá-lo como algo que poderia ser transmitida por qualquer contato desprotegido. Felizmente, o Brasil adotou estratégias que nos permitiram ser exemplo mundial de controle e combate ao HIV.

Pele com uma pequena marca vermelha
Lesão causada pela varíola dos macacos, ou nova varíola, ou monkeypox - Arquivo pessoal

Agora, com a nova varíola, ou monkeypox, ou varíola do macaco, a ciência tem muitos avanços que nos permitem evitar os mesmos problemas. O vírus da varíola do macaco não precisou circular por mais de uma década até ser detectado. Temos vacinas e vigilância para detectar seus casos no Brasil, que já passam de 2.200. E temos nosso passado de ação contra o HIV para mostrar o que fazer.

Mas vários problemas se repetem. A começar pelo nome da doença, que demorou para ser oficialmente atualizado. A Fiocruz recomenda o termo monkeypox, para diminuir o estigma que pode causar. Enquanto primatologistas se referem a ela como nova varíola, para reconhecer que nada tem a ver com macacos.

Sua transmissão fora da África, concentrada em homens que fazem sexo com homens, precisa ser reconhecida para priorizar atendimento, redução de parceiros e até de vacinação, enquanto doses vacinais ainda demoram. Ao mesmo tempo, sua transmissão independe de orientação sexual e o contato com pele ou fluidos corporais de infectados pode acontecer mesmo sem contato íntimo.

Já temos casos entre crianças e o vírus ainda pode circular entre muito mais gente. E ambientes hospitalares ou mesmo prisionais são particularmente preocupantes.

Entre testagem, rastreio de contato e campanhas de educação, sabemos o que fazer no país neste momento crucial, até termos vacinas o suficiente. Mas ainda não decretamos emergência de saúde e demoramos para comprar vacinas. Se ainda não vemos ação federal contra a Covid, que nunca teve plano coordenado mesmo matando quase 700 mil pessoas no Brasil, veremos menos ainda contra uma infecção com esse contexto de transmissão em 2022.

E não somos os únicos atrasados. Em meio à maior pandemia desta geração e pagando caro por ela, não nos mobilizamos para evitar as próximas. A situação do HIV começou a se reverter quando países reconheceram que precisavam atuar inclusive no continente africano, seguindo o programa brasileiro de compra e distribuição gratuita de antivirais.

Com a nova varíola, repetimos o mesmo erro. O continente africano, onde os casos foram ignorados por décadas, onde o vírus ainda circula entre animais e humanos, ainda é a última região sem uma dose de vacina sequer.

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