Benjamin Steinbruch

Diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, vice-presidente da Fiesp. É formado em administração pela FGV.

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Benjamin Steinbruch

Comércio internacional não é para amadores 

O comércio internacional não permite descuidos ou ingenuidades neoliberais

Máquinas de lavar sul-coreanas em exibição em Las Vegas;
Máquinas de lavar sul-coreanas em exibição em Las Vegas; governo Trump impôs sobretaxa - David McNew - 6.jan.16/AFP

A FOLHA presta interessante serviço, em uma discreta seção no caderno "Cotidiano", ao noticiar diariamente qual foi a manchete do jornal há exatos 50 anos. No dia 23 de janeiro de 1968, o título era "Café solúvel: Brasil veta proposta norte-americana".

O veto brasileiro se referia a uma reivindicação americana, na Organização Mundial do Café, para permitir aos países consumidores a imposição de restrições (tarifas) unilaterais às exportações de café solúvel feitas por nações produtoras, entre elas o Brasil.

Em resumo, os americanos argumentavam que a indústria brasileira de solúvel era privilegiada, porque comprava café verde a preços de mercado interno, mais baixos. Já os brasileiros sustentavam que o Brasil, por ser o maior produtor mundial de café, possuía condições naturais mais favoráveis do que os EUA ou qualquer outro país para desenvolver sua indústria de solúvel.

Vamos agora dar um salto de 50 anos. Há duas semanas, o presidente Donald  Trump impôs medidas punitivas contra dois de seus parceiros comerciais. Aplicou uma sobretaxa de 30% para a importação de equipamentos solares da China e outra de até 50% para máquinas de lavar da Coreia do Sul. Acusação: "comércio injusto" praticado pelos asiáticos. Segundo Trump, isso foi apenas o início de uma ofensiva para proteger a indústria americana.

Voltemos ao Brasil. O governo decidiu, também há duas semanas, não aplicar taxação antidumping contra empresas fornecedoras de aço da Rússia e da China, que estão reduzindo artificialmente os preços de seu produto para prejudicar os concorrentes. O governo reconheceu a existência de práticas desleais, mas resolveu não impor tarifas por enquanto porque as importações já caíram bastante. Na prática, as restrições foram aprovadas, mas seus efeitos, suspensos, podendo ser aplicados caso se verifique uma volta de práticas desleais.

As restrições americanas ao solúvel e as medidas atuais mostram que o comércio internacional, tanto há 50 anos quanto hoje, não permite descuidos ou ingenuidades neoliberais. Dentro das regras internacionais, os governos têm a obrigação de proteger seu mercado e, da mesma forma, exigir respeito às normas da OMC no caso de barreiras no exterior.

Deixo aos empresários do setor a avaliação dos efeitos daquela "guerra do café" de 50 anos atrás. Observo apenas que, com indústrias nacionais e estrangeiras, o Brasil lidera hoje o mercado mundial de café solúvel. Enfrenta uma aguerrida concorrência asiática, principalmente do Vietnã, mas exporta para 120 países e obtém receita cambial superior a meio bilhão de dólares por ano.

A exportação de industrializados traz grande benefício aos países, em razão do valor agregado aos produtos. O próprio café é um exemplo marcante. Existe hoje a tendência de aumento do consumo de cafés em cápsulas. Parte do café brasileiro, exportado para a Europa, volta ao país encapsulado, por um preço 60 vezes maior.

O valor médio da saca de café exportado pelo Brasil em 2016, por exemplo, foi de US$ 159. Naquele ano, a importação brasileira de café, quase tudo em cápsulas, custou o equivalente a US$ 10.701 a saca. Há ainda um enorme espaço, portanto, para a conquista de mercados externos para o café brasileiro, com agregação de valor para o país. Isso vale para inúmeros outros produtos industrializados.

Comércio internacional não é para amadores. A palavra fundamental nessa área é reciprocidade. Sem isso, o escancaramento do mercado interno é medida tola e ingênua.

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