Benjamin Steinbruch

Diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, vice-presidente da Fiesp. É formado em administração pela FGV.

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Benjamin Steinbruch

Bondes não voltarão, mas é preciso reavivar financiamento à infraestrutura

Em meio século, a mais rica cidade do país construiu em média apenas 2 km de metrô por ano

Último dia de operação de bondes na cidade de São Paulo; linhas chegaram a ter 700 km de extensão, e metrô, hoje, tem cerca de 100 km
Último dia de operação de bondes na cidade de São Paulo; linhas chegaram a ter 700 km de extensão, e metrô, hoje, tem cerca de 100 km - Nascimento - 26.mar.68/Acervo UH/Folhapress

Cinquenta anos atrás, em 27 de março de 1968, São Paulo comemorava a “Viagem do Adeus”. O último bonde da cidade, conduzido por Francisco Lourenço Ferreira, percorreu as avenidas Ibirapuera, Vereador José Diniz e Adolfo Pinheiro até Santo Amaro.

Uma reportagem da Folha de terça passada (27) conta que Francisco, na época o condutor mais antigo da capital, chorou durante a viagem. “Rendo-me ao Progresso”, diziam faixas pregadas nas janelas dos veículos elétricos cujas linhas chegaram a ter 700 quilômetros na cidade, mas se tornaram sinônimos do atraso. Atrapalhavam o trânsito dos automóveis e provocavam acidentes.

O prefeito da época, Faria Lima, anunciava que a cidade partiria para a modernidade em matéria de transporte coletivo com a companhia do Metrô, criada um mês depois da aposentadoria dos bondes.
Passados 50 anos, com as recentes inaugurações, o metrô de São Paulo tem cerca de cem quilômetros de extensão.

Nesse meio século, portanto, a mais rica cidade do país construiu em média apenas dois quilômetros por ano. A linha de metrô que substituiu o último trajeto dos bondes só foi inaugurada neste ano.

Esse é um exemplo que expõe, de forma dramática, a deficiência dos investimentos em infraestrutura no país. Sabemos todos que, sem a aplicação de recursos nessa área, na indústria e em outros setores essenciais e inovadores, nenhum país pode alcançar o desenvolvimento.

O que vemos no Brasil, entretanto, é o estímulo insistente ao setor financeiro e o abandono persistente dos setores produtivos. Uma compilação do jornal Valor Econômico mostrou que, em plena crise, de 2014 a 2017, as cinco maiores instituições financeiras do país tiveram lucro somado de R$ 244 bilhões. Esse valor superou com folga os ganhos líquidos de R$ 56 bilhões das 307 companhias abertas não financeiras no mesmo período.

Isso não é normal, e as causas da anormalidade são conhecidas. O privilégio do setor financeiro está estampado nas tarifas e nos juros cobrados no mercado, com margens que não cedem nem quando a taxa de juro básica é reduzida, como agora, para menor nível da história recente.

Dados do Banco Central mostram que os juros bancários subiram em fevereiro, mesmo com a queda da Selic e a estabilidade da inadimplência. As taxas médias para empréstimos a pessoas físicas subiram de 55,8% ao ano em janeiro para 57,7% ao ano em fevereiro. A taxa média geral também subiu de 26,1% para 26,3% no mesmo intervalo. Para o cheque especial, o juro médio está em 324% ao ano, praticamente o mesmo de um ano atrás, embora a Selic tenha caído de 12,25% para 6,5% no período.

O desprezo ao setor produtivo, exposto a taxas abusivas em todas as linhas de financiamento, levou o país a perder espaço que havia conquistado na produção e na exportação de produtos industrializados. No ano 2000, a participação dos industrializados na pauta de exportação brasileira era de 75%. No ano passado, foi de 51%.

O BNDES, único refúgio para crédito civilizado de longo prazo, está sendo desidratado e pode ser extinto se prevalecer a mentalidade neoliberal dominante, que pouco se lixa para o capital nacional.

Os bondes certamente não voltarão, embora estejam sendo modernizados e retomados em alguns países. Mas o financiamento a projetos de infraestrutura e de modernização industrial podem e devem ser reavivados. São a maneira mais rápida de o país retomar o caminho do crescimento, desenvolvimento e emprego.

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