Benjamin Steinbruch

Diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, vice-presidente da Fiesp. É formado em administração pela FGV.

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Benjamin Steinbruch

A batata e suas lições

Os interesses da Petrobras, com sua política de preço, foram colocados acima dos do país

Nos anos 1990, uma multinacional de telecomunicações lançou um sofisticado sistema que iria criar um serviço de comunicação mundial via satélite. Cerca de 70 satélites foram colocados em órbita da Terra para conectar telefones celulares.

O projeto era genial, um ovo de Colombo, e não tinha como dar errado. Em qualquer lugar do mundo em que a pessoa estivesse, fosse na floresta amazônica ou no meio do oceano Pacífico, poderia se conectar via satélite. Mais de US$ 1 bilhão foi investido no projeto, e o retorno parecia indiscutível, porque seriam abandonados os sistemas convencionais, que usam milhares e milhares de antenas instaladas em terra.

A despeito da expectativa favorável, o projeto não deu certo. Além de problemas técnicos, o sistema falhou porque era caro demais para os usuários. Os formuladores se esqueceram de que, do outro lado, havia um consumidor que, a despeito do enorme avanço e da praticidade do sistema, não queria pagar o custo elevado de uma assinatura desses celulares globais.

Guardadas as devidas diferenças, algo parecido aconteceu na Petrobras. Desde julho, a direção da companhia adotou uma política de preços que prevê reajustes até diários dos combustíveis --inclusive do óleo diesel, essencial para o transporte de cargas--, acompanhando pari passu as cotações do dólar e do petróleo no mercado internacional.

No papel, ou nas planilhas, o plano parecia perfeito, outro ovo de Colombo. Repassando os aumentos de custos dia a dia, a Petrobras estaria salva de prejuízos e poderia inclusive recuperar perdas de anos anteriores. No primeiro trimestre deste ano, a estatal já obteve um lucro de quase R$ 7 bilhões.

Ocorre que do outro lado havia o consumidor, aquele que compra os combustíveis. Os postos repassaram os aumentos da fornecedora estatal para os preços na bomba, e o consumidor, obviamente, não gostou de pagar os reajustes. Até porque a formação de preços passou a acompanhar movimentos especulativos que atingem o mercado do petróleo e provocam flutuações constantes nos preços, o que os economistas chamam de volatilidade.

Então, com um mínimo de organização, hoje mais fácil em razão da comunicação via mídias sociais, o consumidor principal do óleo diesel reagiu. Foi o que aconteceu no fim de maio, quando os caminhoneiros entraram em greve espalhada via aplicativos por todo o país. Houve aproveitamento político da crise, mas a origem dela é claríssima: o preço do óleo diesel.

Os interesses da Petrobras, por mais defensáveis que fossem, foram colocados acima dos interesses do país. Com sua política de preços, a estatal conseguiu importar o processo especulativo do mercado do petróleo, principalmente por causa do embate entre Irã e Estados Unidos.

Setores estratégicos, especialmente os monopolistas, não podem ser administrados dessa forma, sob pena de provocar desastres como o de maio.

Com a obstrução do transporte rodoviário pelos grevistas, o abastecimento geral do país foi prejudicado, de combustíveis nos postos a batatas nos supermercados. Os preços dos alimentos dispararam, e a cesta básica aumentou 4,61% em São Paulo em uma semana, tendo a batata comandado a alta, de 102% no período.

Nem nos tempos da hiperinflação dos anos 1980 os brasileiros haviam visto um bloqueio tão grande no fornecimento de combustíveis. Viagens foram adiadas, reservas em hotéis, canceladas, e o feriadão de Corpus Christi, perdido. Alguns especialistas estimaram o prejuízo geral de R$ 80 bilhões para o país. Ficou caro, mas foi uma lição e tanto.

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