Bernardo Carvalho

Romancista, autor de 'Nove Noites' e 'Os Substitutos'

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Não haverá saída para o Brasil com Bolsonaro no poder

Está na hora de recusar o convite ao suicídio coletivo, dando nome aos bois

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Peço desculpa pela monomania, mas nada do que eu pensava em escrever hoje resiste à sensação de acordar nas mãos de uma quadrilha que conspira contra mim enquanto eu durmo.

Acordei pensando naquela velha reunião do dia 22 de abril: será que alguma daquelas pessoas, pelo menos entre as que não se manifestaram, ouvindo bovinamente os disparates do chefe de Estado, confiaria seus filhos aos Bolsonaro?

Talvez os mais loucos e estridentes, porque se correspondem e se merecem. Mas se os demais não entregariam os filhos ao presidente, por que o país? Peço desculpa pela ingenuidade, mas então por que continuavam calados diante das barbaridades? Se não era cegueira, seria má-fé?

Uma das teorias que correm por aí diz que são os militares (e não os Bolsonaro) os verdadeiros articuladores deste estado de coisas.

Enquanto generais americanos marcam posição contrária à do presidente Trump em relação às manifestações antirracistas, vindo a público esclarecer que o inimigo não é o povo americano, os homólogos brasileiros elegem, mais uma vez, o inimigo errado.

A tentativa de manipulação dos dados da pandemia é um sinal inequívoco de que a guerra é, sim, contra os brasileiros.

E seria a favor de quem?

Os brasileiros são a ameaça. É deles que o governo precisa esconder os números e a verdade. Não é por outra razão que insiste em associar fake news a liberdade de expressão.

Ao se colar ao presidente, os generais assumiram uma guerra política, tomaram posição contra parte significativa dos cidadãos que já não engole a desculpa de uma suposta luta contra a corrupção.

Sinceramente, quem é que acredita na honestidade do presidente e seus filhos? Esse é um governo honesto? Sério? Se quem não deve não teme, para que tanto esforço em controlar a polícia, desbaratar a Justiça e as leis?

Vivemos um problema de nomenclatura, e já não é de hoje. Quem aceitaria integrar um governo declaradamente fascista? Pois está na hora de entenderem onde estão. Ninguém aqui é moleque. Não vamos ver a boiada passar sem dar nome aos bois. Até quando vamos ouvir o presidente e sua claque chamar fascismo de democracia, guardiães da democracia de terroristas ou calúnia de liberdade de expressão?

O nome das coisas impediria que alguns seguissem no papel lamentável que aceitaram desempenhar sem nenhuma vergonha. É insuportável ver-se confrontado publicamente com o verdadeiro nome das coisas.

Se o ministro do Meio Ambiente precisa ser afastado de um comitê para a Amazônia, para que se possam reaver fundos internacionais, é porque não há cegueira alguma. Se não é demitido do cargo de ministro, é porque há má-fé.

Quem quer ser governado por gente cuja base de apoio é um delírio armado que combina calúnia, ideais neonazistas e teoria da conspiração com as bandeiras dos Estados Unidos, de Israel e da extrema direita ucraniana?

Quebraram a cara os que acreditavam que Bolsonaro poderia se ater ao papel de capataz de seus velhos interesses. Alguns, ainda incapazes de encarar os fatos, aferram-se ao suicídio. Pois esse é o nome.

O ministro da Economia, mantido por pensamento positivo como parte da suposta competência liberal do governo (“nós temos noção de que somos diferentes deles”, ele teve o descaramento de externar durante a célebre reunião, em meio à crise sanitária e econômica, entre milhares de mortos e pífias medidas emergenciais), não passa de uma enganação —ou ainda está difícil de entender?

As ambições do presidente, sem medir esforços para fazer a família escapar à lei enquanto não consegue desautorizar de vez a Justiça, estavam claras desde muito antes de ele ser eleito, mas isso agora não vem ao caso. O momento é de urgência. Não haverá saída para o Brasil com Bolsonaro no poder.

Muita gente já entendeu que a saída é um pacto histórico por princípios democráticos e republicanos. Mas seria bom deixar de ver o presidente como asno, embora a piada seja desopilante. Ele é antes um inimigo astuto do Brasil e dos brasileiros.

Bolsonaro soube forjar-se para a ocasião e para o país que agora destrói. Seria um asno em outras paragens. Aqui, revelou-se uma doença talhada sob medida para a nossa miséria social, econômica e intelectual, despertando interesses muito específicos em setores estratégicos, das Forças Armadas à polícia. Está na hora de pensar em sobreviver. Podemos começar recusando expressamente o convite ao suicídio coletivo, dando nome aos bois, com as consequências que os nomes implicam.

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