Bernardo Carvalho

Romancista, autor de 'Nove Noites' e 'Os Substitutos'

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Família vende tudo

O cara tem que exalar a ambição do pulha num papel que não é pra ele

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Tem que ser ruim.

Ruim em que sentido?

Canastra. Medíocre. Sem noção.

Tem o Sérgio.

Quer foder com a gente? O Sérgio não, porra. Não dá pra contrair matrimônio com traíra.

É outro Sérgio.

Canastra?

Descarado.

Tem que passar aquela impressão de que mente sem fazer esforço pra disfarçar. Tem que achar que ninguém tá notando. Pode ser até um pouco burro. Malandro e obtuso. Ser humano é complexo. Agora, não adianta improvisar, deixar pra testar em cima da hora. Vai que o cara é um puta ator de verdade. Não pode. Depois diz que é o verdadeiro eu. Com que cara a gente fica?

Não, não, garanto, esse é péssimo.

Sala do Quad Cinema, em Nova York
Sala do Quad Cinema, em Nova York - Todd Heisler/The New York Times

E esse aqui?

O Cárlio?

O que você acha?

É tipo pau pra toda obra. Não tem vergonha. Você joga o osso e ele corre pra pegar.

Vai ter que encarnar um verme.

Acho que ele topa.

Invertebrado. Arrivista. Servil. Não quero perder tempo, ter que dirigir marmanjo, explicar como é que faz. Tem que chegar junto.

Não, claro. E o Aughustus? Também podia ser uma boa, não?

Você acha que ele faz o tipo sangue de barata?

Hmm. Tá mais pro zero de caráter.

Porque depois não vai dar pra trocar, mudar de ideia no meio do caminho. Já basta o que rolou com a porra do Luís Henrique. Puta ator. O cara vem, faz o seu showzinho e vai embora. Não quero mais surpresa ruim. Tem que estar tudo bem azeitado.

Bom, de repente o Cárlio é mais seguro, tem o physique du rôle.

Tem o quê?

Cara de verme.

Não vai dar um balão na gente?

De jeito nenhum! É de confiança. Recalcado. Péssimo ator.

Isso é importante. Tem que passar aquela impressão de embuste congênito. Tipo impostor desde a escola primária. Fechamo então?

Fechado. Qual é o próximo?

Você não tinha alguém pro papel do Frota?

Pensei no Braga.

Você acha que ele faz sem vergonha?

Canastrão.

É disso aí que a gente precisa. Só ator de quinta. Hahaha.

Acho que não tem erro.

O cara tem que exalar a ambição do pulha, naturalmente, num papel que obviamente não é pra ele. Tem que ser incapaz, ter sede de fazer o que não sabe, essa ganância cega, essa cobiça pelo papel dos outros.

É o Braga. A patranha em pessoa. Cobiça crua, violenta.

É dos nossos. Haha. Pode chamar.

Olha, tá faltando alguém pra cobrir esse buraco aqui na cenotécnica.

Cenotécnica, claro. A gente tem que se blindar, construir bem o ambiente, não pode deixar brecha. Cenotécnica é importante. A gente é um exército. Mas não é melhor fechar o elenco primeiro? Em quem você pensou pro rato?

Set de filmagem em Brumadinho, MG - Alexandre Rezende - 15.out.14/Folhapress

O Dick?

Tá encrencado, por enquanto é carta fora do baralho.

Que tal o Leo Mendes?

O Leozinho?

Sim, cem por cento garantido. E ainda tem a vantagem de falar em nome de Jesus. Isso aí dá aquele plus. Não para de falar na Bíblia e o caralho.

Taí, o Leozinho. Em nome de Jesus. Não tinha pensado. É tanto filho da puta dando sopa que a gente nem lembra. Liga já pra ele. Tem que ter sinergia. É trabalho de equipe.

E pro papel da serpente voraz?

Ah. Haha, serpente voraz! Agarrada ao poder que nem cobra em pau-de-sebo. O apelido pegou, né? Tinha até esquecido...

Teria um cara. Topa-tudo. Claro que funciona na base do toma lá dá cá, mas dá pra negociar, é gente nossa, nosso universo.

Não tá falando do Carlos Arthur?

Não, do Glédson.

Putz, o Glédson, claro!

Enganação total. Vai deixar muita gente puta.

Só por isso já vale a pena. Hahaha. Já tô antevendo a cara da canalha que pediu pra sair porque não queria sujar o nome, hahaha.

A Rosinha ficou.

Não me fala nessa piranha. Tem que pegar pesado, fazer ela pedir arrego de joelho.

Até agora tá peitando a gente. A gente também pode ignorar.

Não tem mulher independente na minha equipe, porra.

A gente já tentou de tudo. Chamou pra conversar, mas parece que ela não entende. Burra. Vai que tá guardando alguma informação na manga...

Tô dizendo que não pode vacilar, porra, tem que chamar as pessoas certas. Não dá pra dar um sumiço nela? Imobilizar?

Só se for bem feito.

Você não tem um nome aí pra tirar ela da jogada?

Tem o Brício.

Puxa, o Brício, sim, putão do Brício. Tá sumido. Vamo chamar. Vê se ele topa.

Claro que topa. Mas vai querer alguma contrapartida.

A gente paga. Faz uma promessa de promoção aí. Vai ser bom pra carreira dele. E ele tem carta branca.

Beleza. E o roteiro?

Quase pronto. Falta combinar quem entra onde e quem fica com o quê. Tamo levantando, fazendo as contas, pra poder fechar certinho pra todo mundo.

Como é que ficou o título?

"Família vende o que não tem". E aí, no subtítulo, menorzinho: "E se dá super bem". Hahaha.

Demais! Demais!

Ficou bom, né? Também achei.

Vai ser um filmaço. Arrasou.

Já tamo planejando a sequência.

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