Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Isolamento social deu novo significado à minha maior coleção, a de parentes falsos

Meu álbum da Copa de 2014 foi interrompido pela depressão do sete a um, e optei, então, pela parentada fake mesmo

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Todo mundo sabe o peso do isolamento na convivência familiar. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, as mesmas pessoas. Mas foi justamente essa restrição doméstica que deu novo significado à minha maior coleção: a de parentes falsos.

Não que eu seja expert em colecionismo. Meu álbum da Copa de 2014 foi interrompido pela depressão do sete a um. Selos, moedas, isso nunca me interessou. Ex-maridos a Gretchen já coleciona. Optei, então, pela parentada fake mesmo.

Minha primeira aquisição foi vovó. Eu a encontrei largada numa feira de antiguidades. Veja bem: a mulher na foto não era ela, mas passaria fácil por um clone mais loiro e sorridente dela. Como se, numa realidade alternativa, ela tivesse levado uma vida mais feliz.

Achei isso tão metafísico que trouxe Vovó 2ª para casa. Ninguém estranhou. No máximo perguntaram: “E se a alma da morta tiver vindo de brinde?”. Tomara. Pelos R$ 2 que paguei, que bom negócio.

Ilustração de uma parede rosa com quatro retratos pendurados. Cada um tem uma moldura diferente e bastante adornada, as pessoas retratadas se entreolham. Elas são: uma pessoa está segurando um papel escrito 'Parente ou falso?' e tem um microfone perto de sua cabeça; um homem está sério e veste um uniforme militar; outro homem usa bigode e veste terno e gravata; e uma mulher mais velha com o cabelo preso e brincos de pérolas. Ao lado dos retratos, há uma mesa pequena com uma única flor em um vaso.
Marcelo Martinez/Folhapress

Emoldurada num canto, a cover da vovó ornou muito bem. Só que ao buscar outros retratos para lhe fazer companhia, me dei conta que alguns parentes legítimos não mereciam aquele destaque.

Pedem carro emprestado e devolvem batido. Dão meia de Natal. Acham que ditadura é OK. Sinceramente? Não gastei nem prego com eles.

Pendurei Lêda, a primeira divorciada da família. Tia Fausta, que via espíritos. Meu pai e minha mãe, insubstituíveis. Agregados. Primos de terceiro grau. Meu irmão bebê. De resto, todos de segunda mão.
Titio, meu favorito, é a foto antiga de um cadete solitário com olhar lânguido. Comprei pelo bigodinho.

Sérgio e Fatinha são irmãos fofos, colorizados na pose clássica da primeira comunhão (sei seus nomes pela dedicatória atrás). Os outros eu não cito para evitar ciumeira. Família, mesmo cenográfica, sabe como é.

Quando a parede foi enfim preenchida, surgiu até um jogo entre amigos: “É parente ou é falso?”. Ganhava quem bebesse e achasse primeiro os penetras da árvore genealógica.

Agora, sem visitas, a brincadeira parou —mas a sensação de casa cheia permanece.

Deve ser a alma de todo mundo convivendo comigo, enquanto sonho em me aglomerar de novo, com mais gente real e inventada. Até porque estou devendo uma companheira a titio. Ou companheiro. A realidade alternativa é um mundo de possibilidades.

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