Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Cadeira Painho acomodou de Emmanuelle à editora cancelada da Vogue

Móvel que é um ícone do vime com muitas firulas inspirou coleção pessoal que é quase um hall da fama

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Às vezes me pergunto como se inicia uma coleção. É ao acumular vários objetos parecidos? Ao perseguir uma série de itens, até obtê-la por completo? É possuir? Distraídos, colecionaremos. E, talvez por isso, o mais precioso dos meus acervos sequer exista de verdade.

Para entender melhor, puxe uma cadeira —mas não qualquer uma. É preciso que seja do tipo conhecido na gringa como Peacock (pavão). E no Brasil, Painho. Um ícone feito de vime e muitas firulas, que conheci ainda menina, assistindo ao "Chico Anysio Show". Refestelado num modelo branco e esplêndido, o humorista vivia o personagem que deu origem ao apelido nos anos 1980.

Colagem mostra três pessoas sentadas em cadeira
Ilustração para a coluna de Bia Braune do dia 21 de novembro de 2021 - Marcelo Martinez

Vários vipões tiveram Painhos. Os presidentes Kennedy e Roosevelt, os escritores Mark Twain e Truman Capote, estrelas de Hollywood como Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe. Mesmo o naturalista Charles Darwin já se aboletava em uma delas no século 19. Uma, inclusive, aparece no pôster do filme erótico "Emmanuelle", que tanto sucesso fez no Brasil. Buscando pelo nome da heroína no Google, você também acha a cadeira.

Minha coleção, porém, começou platônica. Sem a Painho em si. Cleodon, um amigo pernambucano, me enviou LPs da rainha do xaxado Marinês e da cantora Elza Soares, ambas lindamente acomodadas. Nisso, comprei Elis Regina de ladinho e Julio Iglesias com as meias à mostra.

Cientes do meu colecionismo, conhecidos passaram a colaborar freneticamente, enviando fotos. Descobri que dava para forrar todas as paredes do hall da fama com os mais variados astros da música posando em Painhos: Cher, Xuxa, James Brown, Gal Costa, Donna Summer, Jane e Herondy.

E mais: de vários cantos do Brasil e do mundo, elas me chegaram flagradas em trechos de filme, álbuns de família e vitrines chiques de loja. O auge se deu no interior de Goiás, quando um amigo clicou um caubói rústico, entornando pinga no mais psicodélico assento de birosca já visto. "Caracteriza Painho?"

Um dia, tomei coragem e fui ao encontro da minha própria musa. A de verdade, física, um pouco chumbada pelos anos de uso. Comprada de uma pacata família do subúrbio carioca. Jamais ocupada por qualquer célebre "derrière".

No entanto, ao colocá-la na minha sala de estar, bateu um desconforto. Pensei na antológica imagem do líder dos Panteras Negras, Huey Newton, sentado. E na empresária rica e branca em sua cadeira de sinhá numa festa de aniversário. Percebi que ali não havia lugar para mim, daquele jeito. Tratei, então, de humildemente vendê-la, mantendo minha coleção apenas virtual. Um trono não pode ser ocupado por uma só pessoa.

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