Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Tive que explicar a um imortal da ABL que eu era roteirista de game show

Já fiz astros se enfiarem em latas de sardinha gigantes e declamarem a lista telefônica igual a texto de Shakespeare

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Era uma festa cheia de figurões. Contei pelo menos um ex-ministro, um neurocientista, dois banqueiros e um imortal da ABL. Circula daqui, conversa de lá, parei numa rodinha onde casualmente me fizeram a pergunta do milhão: "E você? Faz o que da vida?". Respirei fundo antes de dar a resposta que valia só dez pontos. "Sou roteirista de game show."

Na verdade, eu não era. Estava. Ainda assim, como explicar meu humilde trabalho àqueles tipos importantes? "Pois é, pessoal, eu decido o que um candidato ganha ao bater no botão que pisca." Ou "arrã, isso mesmo, eu invento o quiz que faz a celebridade ser emparedada por tijolos de isopor".

Ilustração de um homem vestindo terno azul e gravata vermelha segurando uma taça de drink com uma torta em sua cabeça, que escorre por todo o rosto. Ele diz "Descobri: você trabalha em um game show!". No fundo, há uma parede com sombras de várias pessoas projetadas nela.
Ilustração - Marcelo Martinez

Brincadeiras envolvendo correrias e cultura inútil não podem faltar na TV mundial, vide a quantidade de programas importados que nos servem de inspiração. Minhas maiores referências sempre foram as questões dificílimas de "O Céu É o Limite" e "8 ou 800", bem como as lambanças do "Passa ou Repassa". Ali, com Angélica, a torta na cara virou pastelão-arte.

Game show é democrático porque só funciona quando o espectador também se diverte, a ponto de levá-lo para a vida. Quem nunca entrou num supermercado e se imaginou correndo contra o relógio, enfiando tudo no carrinho? Até hoje, muita gente pede um tempo para pensar falando que vai "consultar os universitários".

Em 2001, Rixa —que já havia feito o "Controle Remoto"— me chamou para uma equipe que tinha como encomenda criar um formato original. E, se você acha que eu fiquei apavorada e honradíssima, você está "absolutamente certo!". Naquele mês de dezembro estreava o "Video Game", justamente com Angélica no comando.

Devagarinho e sem pretensões, astros de primeira grandeza foram enfiados em latas de sardinha gigantes, declamaram a lista telefônica igual a texto de Shakespeare, picaram cebola para chorar em até um minuto e se vestiram com todas as fantasias possíveis, de dálmata a panetone.

Tudo tão adoravelmente bobo que, certa vez, uma das atrizes mais sisudas da Globo se jogou na plateia, dizendo: "Nunca me diverti tanto!". Ficamos dez anos no ar.

De volta àquela festinha dos vipões, não precisei mostrar a carteira de trabalho para a descontração se instaurar. Ao piano, o Maestro Zezinho do evento começou a tocar umas notas cuja referência o neurocientista logo adivinhou.

E, num sussurro cúmplice, o imortal me disse que seu maior sonho era dar uma tortada na cara de alguém. Tem prêmio melhor? "Nãããooo", eu responderia convicta, na cabine do Silvio Santos. Nem mesmo um tênis Montreal, porque a gente é jovem. Ou quase isso.

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