Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu
beleza

Até que manequins façam sentido, continuaremos culpando nossos corpos

A vida aí, já tão complexa, e nossas formas sendo encaixadas em bizarros padrões

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"Vrááááááá." Só de pensar nesse barulho de cortina de provador sendo aberta na base da ignorância, eu me arrepio inteira. "E aí, gata, ficou bom???" A mesma adrenalina tensa ao receber mensagem de motorista de aplicativo, "cheguei", enquanto ainda luto para fechar o zíper de qualquer bota de cano alto.

Sim, eu poderia dizer que a vida não é prática para mulheres do meu tipo: quase 1,80 m, canelas grossas feito um brasão anatômico de família. No entanto, sendo justa: a vida não é prática para absolutamente ninguém quando o que está em jogo é não sair pelada por aí.

Na ilustração de Marcelo Martinez, sólidos geométricos formam três figuras femininas estilizadas. Elas caminham, tendo como fundo uma cidade igualmente criada por formas geométricas.
Marcelo Martinez

Do alto de minha própria frustração indumentária, entre mangas curtas demais e vestidos que jogados em mim parecem blusinhas, sou solidária a todas aquelas que, assim como eu, nunca se viram refletidas nos manequins das vitrines. Altas ou baixas, magras ou largas, peitudas ou retas, popô P ou GG.

Formamos um exército de figuras díspares, na luta por trapinhos confortáveis, bonitos e minimamente dignos, seja em sites chineses ou araras de loja, das mais populares às metidas a besta.

Porém, até que as numerações passem a fazer sentido, continuaremos botando a culpa em nossos próprios corpos supostamente desajustados.

Há pouco tempo, li uma matéria sobre a tão sonhada padronização de tamanhos. E para minha surpresa, descobri que a maioria das brasileiras tem o mesmo biótipo —odeio essa palavra— poligonal. Isso mesmo: uma pesquisa antropométrica da população nos definiu 76% retângulas. Quando não triângulas, 8%. Ou triângulas invertidas, 5%.

O que me levou a questionar: que raio de geometria é essa?

Compreendo a intenção lógica de formatar para vestir. Slogan, aliás, perfeitamente cabível ao se tratar de uma sociedade fascisto-fashion. Contudo, não somos planas e bidimensionais. Corpos femininos têm peso e precisam de espaço, feito poliedros com trocentas faces e arestas.

Nossas barrigas fazem dobrinhas 3D quando sentamos relaxadas. Colunas não são linhas retas. Inchamos esfericamente, comendo caixas inteiras de Bis na TPM. E nossos peitos nem sempre preenchem o volume total dos sutiãs.

Fórmula alguma será capaz de definir tantas variáveis fascinantes. O suíço Leonhard Euler brindou a humanidade com seu teorema matemático de F + V = 2 + A, mas somos humanas. Lindas, gostosas, complexas e incongruentes. E se nem Platão teve como definir mais de cinco tipos de sólidos regulares, sinto-me à vontade para conclamar: sejamos muitas. Com orgulho e duas polegadas, a mais ou a menos, tendendo ao infinito.

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