Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Toda planta de plástico, a seu modo, tenta eternizar o efêmero

Cínico algum é capaz de apreciar uma bromélia de poliéster, apenas emocionados transformam glitter vagabundo em poesia

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Aquela descoberta foi digna do rei Nabucodonosor, contemplando a beleza luxuriante dos jardins suspensos da Babilônia. Um êxtase interrompido por um atendente que, trepado numa escada e com um cabo de vassoura na mão, berrava: "É pra descer qual das samambaias, madame?".

Escondida no centro do Rio de Janeiro, encontrei a loja que merecia o título de uma das sete maravilhas do comércio popular. Dotada dos espécimes mais variados da flora "made in China", era a meca dos que compram plantas de mentira.

Sim, sou esse tipo de pessoa. Enquanto amigos saem por aí, telúricos e naturais, visitando hortos e garden centers em busca de novas aquisições para suas florestas particulares, sempre aguardei a primavera pensando: "O que vou brutalmente assassinar hoje?".

É como um dedo verde, porém podre. Indiscriminadamente, dizimei todos os seres vivos do reino vegetal, em sua versão urban jungle. Peperômias, guaimbês, marantas: descansem em paz. Dracenas, pacovás, árvores da felicidade: foi bom enquanto durou. E durou bem pouco mesmo.

Na ilustração de Marcelo Martinez, um oceano de tampinhas de garrafa PET circunda uma pequena ilha inflável. Na ilha há um náufrago. Ele olha, feliz, para a flor de tampinhas de plástico reciclado que acabou de fazer.
Marcelo Martinez

Até plantas aéreas, dessas que não precisam de terra e vivem de brisa, eu consegui exterminar. "Tenta zamioculca! Adora luz fria de shopping, então não vai estrebuchar com você." Ah, que honra é ver brotar a esperança que os outros depositam em mim. Entretanto, não deu uma semana e babau. Nem comigo-ninguém-pode podia comigo.

Tudo mudou, é claro, quando fui parar nesse eldorado das costelas-de-adão, ficus lyratas e begônias maculatas de silicone e resina. Hipnotizada, toquei em pétalas do mais artificial encanto. Uma epifania coroada pela conversa que escutei entre mãe e filha, enquanto adquiriam um buquê de girassóis que parecia feito de papel crepom. "Tão lindos, né? Já vêm com orvalho!" Na verdade, purpurina —mas que brilhava igual ao olhar empolgado daquelas duas.

Ali, me dei conta de que cínico algum seria capaz de apreciar uma bromélia de poliéster. Apenas emocionados transformam glitter vagabundo em poesia. Toda planta de plástico, a seu modo, tenta eternizar o efêmero. E a vida o que é, além disso? Quiçá mera trepadeira existencial.

Redimida de meus genocídios florais, perdoada enquanto serial killer botânica, saí da loja com uma enorme bananeira que hoje habita minha varanda. Não é porque não a adubei que não tenho vocação para amá-la. Em vez de mãe, sou madrasta de plantas. Com o mesmo carinho, a mesma atenção, já planejando aumentar a família. Um bambuzinho de seda vai ficar fofo no meu banheiro.

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