Bruno Boghossian

Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

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Agora demitido, Alvim ainda representa programa bolsonarista

Ex-secretário de Cultura não é o único; ele manifestou uma visão entranhada no governo

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Roberto Alvim não é o único. Agora demitido, o secretário de Jair Bolsonaro que plagiou um discurso do chefe da propaganda nazista manifestou uma visão que está entranhada no governo e na rede de apoio mais próxima do presidente.

O programa ultranacionalista, preconceituoso e exclusivista para a cultura faz parte da essência do bolsonarismo. Aparece em dezenas de pronunciamentos do presidente e de seus auxiliares.

O próprio Bolsonaro já disse que a cultura precisa ser submetida a um filtro governamental e que as políticas públicas dessa área só devem servir "à maioria" —ou seja, a quem pensa como ele. Alvim, fica evidente, não era um tirano solitário.

Os valores exaltados pelo dramaturgo ao copiar o ministro de Adolf Hitler fazem parte da espinha dorsal de um projeto de poder. Estão, aliás, num documento registrado em cartório pelo presidente da República.

O programa do Aliança pelo Brasil, legenda de Bolsonaro em processo de fundação, ecoa essas mesmas palavras. "O partido se compromete a lutar, na cultura, pela restauração dos valores tradicionais do Brasil, consolidados no pensamento e na vida de grandes homens e mulheres do passado, heroicos exemplares da virtude e do vigor brasileiros", diz o texto.

Esse suposto desejo de purificação e retorno às origens nacionais é um disfarce mal-acabado para uma perspectiva totalitária, que prega a eliminação do pensamento dissidente e o uso da máquina pública para promover valores políticos.

Montagem mostra Roberto Alvim, à esq., e Joseph Goebbels, à dir. - Reprodução e Atelier Bieber/Nather/Bildarchiv Preußischer Kulturbesitz

Alvim e Bolsonaro fazem parte desse mesmo projeto de poder. No início do vídeo em que repete as palavras de Joseph Goebbels, o secretário diz que recebeu uma missão do presidente. "Ele pediu que eu faça uma cultura que não destrua, mas que salve nossa juventude", afirma.

Há menos de um ano, o dramaturgo saiu do merecido anonimato e foi premiado duas vezes por Bolsonaro. Ganhou um cargo de direção na Funarte em junho e, menos de cinco meses depois, foi promovido a secretário especial de Cultura.

Bolsonaro demonstrou apreço ímpar por Alvim, dando poderes amplos ao novo auxiliar. Terceirizou a ele quase todas as decisões da área e deu a ele liberdade para que nomeasse a estrutura da pasta. "Porteira fechada para ele. Vem muita coisa boa por aí", disse o presidente.

A versão de que Alvim teria ganhado o cargo por defender Bolsonaro e atacar a atriz Fernanda Montenegro é absolutamente secundária. A dupla, vê-se, estava em sintonia perfeita em seus planos para a cultura.

O receituário do chefe da propaganda nazista está tão amarrado a esse olhar que Alvim foi incapaz de se desdizer por completo. Ele argumentou que aquela foi uma "coincidência retórica". Para acreditar nisso, seria preciso admitir, então, que ele pensa como Goebbels, a ponto de repetir suas palavras sem precisar copiá-las.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, o ex-secretário também disse que tinha "repugnância visceral" ao regime de Hitler. Mas acrescentou que "as ideias contidas na frase são absolutamente perfeitas". "Assino embaixo", completou.

O comportamento é revelador. A "repugnância visceral" de Alvim se dirige apenas ao fato de ter sido comparado a um grupo de facínoras, mas não aos métodos adotados por eles.

Bolsonaro decidiu demitir Alvim para se livrar da bandeira nazista em que o então secretário havia se embrulhado, mas está claro que os valores expostos em suas palavras continuarão a guiar o governo.

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