Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Coronavírus

Os 'sem-saúde' na era da Covid-19

Doentes crônicos sem acesso à atenção básica têm piores índices de saúde na pandemia

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Como todos sabemos a essa altura, o confinamento é uma condição estressante, que envolve mudanças repentinas de rotina e, por vezes, a adoção de comportamentos insalubres. Se para pessoas hígidas essa situação é problemática, o que dizer dos grupos vulneráveis?

Com a atenção do sistema de saúde centrada no combate à pandemia, muitos pacientes que demandam cuidados especiais se viram desamparados. Exames, consultas e cirurgias eletivas foram suspensos e o acompanhamento de saúde ficou comprometido.

Para melhor entender o problema, nosso grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo monitorou, durante a pandemia, 66 pessoas submetidas à cirurgia bariátrica. Esse procedimento cirúrgico é considerado eficaz para pacientes com obesidade grave, capaz de reduzir a mortalidade e doenças como diabetes e hipertensão. Contudo, o sucesso da cirurgia depende do engajamento a um estilo de vida saudável, sem o que seus benefícios se dissipam rapidamente.

Nossa equipe visitou cada paciente domiciliado na cidade de São Paulo. Também coletamos informações por telefone.

Os achados preocupam: cerca de 65% dos visitados apresentaram elevada pressão arterial. Inflamação sistêmica foi observada em 1 em cada 4. Em mais de 15%, os níveis de glicose circulantes estavam acima do normal.

Quanto à saúde mental, um terço dos pacientes exibiu sintomas depressivos de leves a graves, enquanto 40% apresentaram algum grau de ansiedade. Três pacientes relataram pensamentos suicidas e tiveram que ser urgentemente encaminhados para atendimento presencial com especialista.

Detectamos também uma baixa adesão às recomendações de praxe para o período pós-cirúrgico. Por exemplo, 1 em cada 5 pacientes desistiu dos importantes suplementos de vitaminas e minerais. Cerca de 60% não atingiram a quantidade mínima de atividade física. Como resultado, quando comparados aos pares fisicamente ativos, os inativos apresentaram pior saúde física e mental.

Esse pequeno levantamento joga luz sobre os “sem-saúde” da era da Covid-19: doentes crônicos alijados de atenção básica. Estudo publicado pela revista científica Jama, da Associação Médica Americana, estimou que as mortes oficiais atribuídas à Covid-19 capturaram apenas dois terços do excesso de óbitos ocorridos em março nos Estados Unidos.

Os pesquisadores também constataram um aumento no número de óbitos por diabetes e doenças cardíacas. Parte significativa dessas vidas perdidas seria consequência de manifestações não respiratórias da Covid-19 ou, mais provavelmente, de um efeito pernicioso da pandemia, que relega parcela representativa da população — lá como cá — a um cuidado de saúde precário, insegurança alimentar e comportamentos pouco saudáveis. O que fazer?

Infelizmente para os mais desprovidos, a promissora telessaúde é hoje tão efetiva quanto à recomendação de higienizar as mãos aos 35 milhões de brasileiros que sequer contam com água encanada. Sem mínima tecnologia, não se cuida a distância.

A saída, pois, pode passar pelos agentes comunitários de saúde, profissionais do SUS que entregam atendimento primário em saúde a comunidades periféricas. Investimentos em contratação, treinamento, equipamentos de proteção individual e inteligência viabilizariam a massiva atuação desses promotores de saúde junto a grupos de risco desassistidos durante a pandemia, o que decerto salvaria muitas vidas.

Está aí um bom empenho para os recursos do Governo Federal liberados para o enfrentamento da pandemia — que por inépcia, inapetência ou ambos — permanecem empoçados.

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