Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu alimentação

Pandemia muda a mesa das brasileiras e derruba dietas, mostra estudo

Levantamento online conduzido pela USP mostra que mais mulheres passaram a cozinhar e pedir delivery, e restrições caíram

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Nossos hábitos alimentares são frutos de uma complexa interação de fatores biológicos, socioeconômicos, mercadológicos, afetivos, culturais e comportamentais. Como a pandemia modificou esses aspectos da vida em alguma medida, não surpreenderia se nossa alimentação também fosse afetada.

É isso que constatamos a partir de um estudo científico realizado pela Universidade de São Paulo, que avaliou o impacto da pandemia sobre os hábitos alimentares a partir de uma amostra de conveniência de 1.183 mulheres acima de 18 anos residentes no Brasil e com acesso a internet. Os resultados serão publicados neste mês em versão pré-print.

Durante a pandemia, o número de mulheres que cozinhavam aumentou 28%, e a proporção das que comiam à mesa subiu 40%.

O uso dos serviços de entrega em domicílio, por sua vez, mais do que dobrou.
Por outro lado, 1 em cada 3 entrevistadas deixou de ir aos mercados para fazer compras.

Interessantemente, a prática de dietas caiu 41%. É possível que as mulheres tenham abdicado de cortar alimentos prazerosos –ainda que eventualmente menos saudáveis– durante um período carregado de tristezas, solidão e ansiedade.

O alimento também é conforto. A dieta restritiva, fonte extra de estresse.

Na quarentena, houve um aumento de 23% no número de mulheres que declararam “beliscar” alimentos ao longo do dia. Esse dado preocupa, pois o teletrabalho e o ensino à distância, que tornam a prática mais corriqueira, tendem a persistirem.

Para contornar o problema, especialistas indicam sempre ter à mão alimentos mais nutritivos, para que possam ser consumidos quando a fome bater. Também se recomenda comer sem distrações do trabalho, estudo ou atividades domésticas.

Outra boa dica é evitar os chamados alimentos ultraprocessados —bolachas e salgadinhos de pacote, refrigerantes e outras guloseimas ricas em sal, gordura e/ou açúcar —, pois seus “hipersabores” estimulam um consumo exagerado.

Também observamos que as mulheres que mais sofreram na pandemia com sintomas de depressão, ansiedade, estresse e solidão foram as que apresentaram os piores hábitos nutricionais, tais como substituir refeições por lanches, comer à frente da TV ou “beliscar”.

É um sinal do chamado “comer emocional”, que parece afetar preferencialmente pessoas com excesso de peso.

Enquanto as mulheres com peso normal declararam escolher seus alimentos por questões de saúde, aquelas com sobrepeso e obesidade relataram que fatores afetivos importavam mais em suas escolhas.

Nosso levantamento, como outros realizados pela internet, é limitado pelo fato de abordar mulheres de classes sociais mais abastadas.

É provável que mudanças alimentares mais drásticas tenham ocorrido em populações menos favorecidas.

Para estas, o impacto econômico da pandemia —refletido na alta de preços de alimentos básicos— deve ter sido decisivo na mudança de hábitos alimentares, cuja consequência sobre a segurança nutricional é ainda desconhecida.

Richard Horton (editor da publicação científica Lancet) defende que a Covid-19 seja vista como uma “sindemia”, abordagem que permite um olhar amplo sobre todas as esferas afetadas pela doença: saúde, educação, emprego, ambiente e alimentação.

Essa visão expandida permite divisar o impacto assimétrico da doença sobre os grupos vulneráveis.

“A menos que os governos elaborem políticas e programas para reverter profundas disparidades sociais, nossas sociedades nunca estarão verdadeiramente protegidas da Covid-19”, alerta Horton.

Se o conceito for aplicado ao campo da alimentação, tornam-se vitais políticas públicas que resguardem a todos o acesso a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes e de modo permanente, conforme manda a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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