Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano

Quanto vale meu histórico de atleta: Parte II

A ciência começa a responder se a atividade física realmente previne contra formas graves da Covid-19

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Na minha coluna de julho, repercuti uma das polêmicas declarações de Jair Bolsonaro sobre a pandemia: “(...) pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”.

Na ocasião, ponderei que era cedo para se fiar no tal histórico de atleta como forma de prevenir o agravamento da Covid-19.

Com o avanço do conhecimento, vieram algumas respostas sobre o papel da atividade física nessa doença.

Comecemos pelos atletas.

O retorno das competições esportivas em meio à pandemia expôs o grupo dos atletas a uma taxa alta de contágio. É o que vemos, por exemplo, no futebol. A agitada vida social, as viagens, as concentrações, o vestiário e o contato típico nas modalidades coletivas são potenciais fatores de risco para a contaminação pelo vírus.

Ainda não há um estudo que caracterize os sintomas e a gravidade da Covid-19 nessa população. Empiricamente, contudo, o que se observa é que os atletas contaminados apesentam uma doença leve, muitas vezes assintomática. Entre 10 a 15 dias, a maioria retorna à rotina esportiva.

Isso não significa que os atletas estão livres de riscos. Um estudo que avaliou 26 esportistas universitários norte-americanos expostos à Covid-19 –a maioria assintomática– constatou que 46% deles apresentaram alterações sugestivas de inflamação e dano no coração.

Aqui no Brasil, formamos um consórcio de grandes centros de pesquisa –chamado de “Coalizão Sport-Covid-19”– para descobrir qual a frequência, a persistência e o significado clínico de possíveis anormalidades cardíacas em atletas. Com isso, esperamos ajudar a aperfeiçoar os protocolos de retorno à prática após a infecção, dando mais segurança aos esportistas.

Na população geral, a influência da prática regular de atividade física sobre o agravamento da Covid-19 é controversa.

Estudos conduzidos no Reino Unido e no Brasil (ainda sem revisão dos pares) reportaram menor risco de hospitalização por Covid-19 (32% a 35%) entre indivíduos ativos.

Em contrapartida, um estudo conduzido pelo nosso grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (também sem revisão dos pares) encontrou achados discordantes.

Num grupo de mais de 200 pacientes com Covid-19 grave –internados no Hospital das Clínicas e no Hospital de Campanha do Ibirapuera–, maiores níveis de atividade física não foram associados a reduções no tempo de hospitalização, na necessidade de ventilação mecânica e internação em UTI, ou no número de óbitos.

Podemos especular que, para a população geral, a prática de atividade física fortalece o sistema imune e abranda a evolução da doença, prevenindo, em alguma medida, hospitalizações.

Já entre os pacientes hospitalizados, ou seja, com uma doença manifestadamente mais grave, um histórico com mais atividade física pode ser menos decisivo para o prognóstico da doença. O envelhecimento, a obesidade e as doenças crônicas são fatores preditivos mais fortes para a evolução clínica desse grupo.

Hábitos saudáveis, como a prática regular de atividade física, costumam trazer amplos benefícios à saúde que, geralmente, se traduzem numa melhor resposta clínica a doenças crônicas e infecciosas.

Daí pressupor que um histórico de atleta garanta proteção ilimitada contra a Covid-19 é um passo muito maior do que a ciência permite. Convém não “cloroquinizar” o tema.

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