Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Atividade física é essencial; academia, não

A despeito das restrições de circulação, é possível manter-se ativo; exercícios ao ar livre, com distanciamento, são seguros

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A recomendação para fechamento parcial ou completo de setores e serviços em meio ao descontrole de transmissão comunitária não é fruto de tara, superstição ou sadismo de cientistas. Antes, é remédio amargo, mas eficaz para conter o espalhamento da Covid. Como a abertura de tudo ao mesmo tempo resultaria em morticínio —como provam os números deste macabro experimento natural conduzido por Bolsonaro—, convém a priorização pela essencialidade.

A definição do que é essencial aceita certa flexibilidade, mas não a ponto de justificar a abertura de shopping antes de escola —medida que desvela as prioridades de uma sociedade moralmente enferma.

O contorcionismo intelectual na defesa de interesses privados em detrimento dos coletivos é uma tônica da epidemia brasileira. O discurso em prol da abertura das academias segue o mesmo roteiro, com um plus de verniz “científico”. Isso se nota, por exemplo, no raciocínio de Paloma Machado, que em sua coluna do UOL, convida o leitor a refletir sobre este oximoro: se a academia pode melhorar tanto a saúde das pessoas, por que esse setor não é essencial?

A resposta me parece simples.

A penca de artigos científicos citados pela colunista revela que a atividade física é essencial à saúde, com o que estamos de pleno acordo. Continuamos na mesma página quanto à preocupação com o aumento dos níveis globais de inatividade durante a pandemia, como já discutido aqui. Contudo, daí a deduzir que a academia é essencial, somente com um imenso salto de lógica, a fazer Aristóteles se revirar no túmulo.

Como a esmagadora maioria da população brasileira sequer tem acesso à academia, não seria seu fechamento que determinaria o agravamento da inatividade. Ademais, a despeito das restrições de circulação, é plenamente possível manter-se ativo. Atividades ao ar livre, com distanciamento, são seguras. Há também o treinamento em casa, modalidade com novos adeptos durante a pandemia e que produz bons resultados. Sem mencionar as atividades chamadas não estruturadas. O deslocamento a pé ou de bicicleta e as tarefas domésticas, por exemplo, gastam energia e trazem benefícios. Como se vê, o fechamento temporário das academias não representa uma condenação ao sedentarismo.

É sempre bom enfatizar que academias são locais de elevado risco de infecção, especialmente quando a transmissão comunitária é descontrolada. Um estudo publicado pela Nature aponta que o maior risco de espalhamento do vírus advém da reabertura de restaurantes, bares e, justamente, academias, onde grandes surtos não são infrequentes.

Numa delas, em Chicago, nos Estados Unidos, 68% dos usuários foram infectados num interstício de aproximadamente uma semana. Para mitigar o risco de infecção na academia, recomenda a ciência o uso de máscaras (mesmo durante exercícios intensos), o rígido distanciamento entre os praticantes, espaços com ventilação natural, a limitação de usuários, o imediato isolamento de infectados e a quarentena de contatos próximos. Na ausência dessas condições, parece-nos muito mais prudente exercitar-se ao ar livre ou em casa, ainda que momentaneamente.

A tese parece não ser compartilhada pelos conselhos regionais e federal de Educação Física, que, sob o pretexto de entregar saúde à (alta?) sociedade, bradam pela abertura das academias. Omitem-se, entretanto, no dever de pressionar por políticas públicas de prevenção da inatividade durante a pandemia. A falácia da essencialidade da academia, deveras, atende a anseios corporativistas, mas não da população.

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