Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Corpo

Pensamento crítico é ratoeira de pegar pilantra

Pseudociência se enfrenta com pensamento crítico, coisa que não vem de berço nem dá em árvore

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Ao menos metade da população estadunidense acredita em cura psíquica. Cerca de um terço também crê em casas mal-assombradas, possessão demoníaca, telepatia, e que ETs, ocasionalmente, nos dão o ar da graça. Em nossas bandas, 1 a cada 4 brasileiros está convicto de que seres alienígenas não são meros forasteiros, mas convivem disfarçados entre nós; 7% juram também que a Terra é plana.

Se você, caro leitor, acha tudo isso um absurdo, é provável que faça parte de uma diminuta parcela de 20%/30% da população que descrê em monstros, divindades, fantasmas e outros mitos.

São chamadas de epistemicamente infundadas as crenças não respaldas por evidências ou por elas refutadas. E atendem também por pseudociência.

Ilustração de um homem segurando uma lâmpada, dentro da qual está o cérebro dele
Gerd Altmann por Pixabay

A enorme quantidade de gente afeita à pseudociência tem se tornado uma preocupação mundial. Não que se considere ameaçadora —embora bizarra— a crença de que ETs teriam colaborado com seres humanos na construção de pirâmides, ou de que paredes de gelo na Antártida delimitariam um planeta plano. Porém, a negação da ciência em campos sensíveis como vacinação ou aquecimento global representa uma ameaça real à vida individual e planetária.

O cientista e ativista Carl Sagan (1934–1996) dizia que a crença em pseudociência era inversamente proporcional à compreensão da ciência. Seria, então, a educação científica o elixir contra o nonsense?

Um estudo de 2018 realizado por uma dupla de pesquisadores da Universidade do Estado da Califórnia (Estados Unidos) jogou luz sobre o assunto.

Cerca de 800 estudantes universitários foram divididos em três grupos. O primeiro recebeu treinamento formal em pensamento crítico —capacidade que consiste na análise de fatos à luz das evidências, da racionalidade e do ceticismo, a fim de instruir a formação de opinião. O segundo teve aulas básicas de método científico, sem, contudo, aplicá-lo à detecção de pseudociência. O terceiro não recebeu nenhuma instrução e serviu como controle.

Antes e após as intervenções, que duraram um único semestre letivo, os estudantes preencheram um questionário sobre crenças em pseudociência relacionadas à saúde, paranormalidade, fantasmas, teorias da conspiração etc.

Como esperado, os estudantes que não receberam treinamento se mantiveram firmes em suas crenças infundadas. Surpreendentemente, o mesmo ocorreu com aqueles que tiveram aulas não aplicadas de método científico. Em contrapartida, os alunos que foram educados em pensamento crítico se tornaram menos vulneráveis à pseudociência, independentemente de diferenças de etnia, perfil socioeconômico, desempenho escolar ou afiliação política.

Daí se conclui que a pseudociência se enfrenta com a educação do indivíduo para a racionalização, o cotejo de diferentes fontes de (des)informação e, sobretudo, a aplicação da ciência na reflexão sobre os temas cotidianos —dos vis chupa-cabras às complexas mudanças climáticas.

Pois é, caro leitor, lastimavelmente, o pensamento crítico não vem de berço nem dá em árvore. Trata-se de capacidade intelectual aprimorável na sala de aula e, pois, perfeitamente passível de impulsionamento por política pública. Mas a quem a iniciativa atenderia?

O desenvolvimento do pensamento crítico, convenhamos, nunca foi exatamente um projeto de Estado. Porém, a ode escrachada à estultice em massa é coisa outra, concebida de 2018 para cá.

Sob Jair, a agenda da Educação (se me permitem a hipérbole) pautou-se por ações exóticas (se me permitem o eufemismo). Os quatro ministros despencados sobre a pasta devotaram-se a assuntos tão nobres quanto ideologia de gênero, criacionismo, militarização do ensino, revisionismo histórico, escola sem partido, entre outras patriotadas e patacoadas deseducativas. Estaríamos diante de mais uma mostra do puro suco de incompetência bolsonarista?

Por mais verdadeira que a hipótese soe, creio, sobretudo, em método. A aposta deliberada na distração como meio de debelar todo modo de pensamento crítico. Este é, como vimos, uma temível arapuca de pegar pilantra. Liguemos os pontos. Não seria o rato a espalhar ratoeiras por aí.

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