Camila Rocha

Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Descrição de chapéu aborto

Reacionários acumulam derrotas em debate sobre aborto

Legislação sobre aborto é tida como uma das principais trincheiras do conservadorismo nacional

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A legislação sobre aborto é tida como uma das principais trincheiras do conservadorismo nacional. Nos últimos oito anos, certos de que contariam com o apoio da população, reacionários de plantão resolveram dobrar a aposta ao tentar proibir o procedimento em qualquer circunstância. Porém, a despeito do destaque obtido durante o governo Bolsonaro, apenas acumularam derrotas.

Em 2019, a autointitulada "PEC da Vida", de autoria do senador fundamentalista Magno Malta, começou a tramitar.

A proposta havia sido encaminhada quatro anos antes por Malta, na época, assessorado por Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e atual senadora pelo Distrito Federal.

O texto previa acrescentar ao artigo 5º da Constituição que o direito à vida deveria ser garantido "desde a concepção".

Manifestantes protestam em frente ao Ministério Público Federal, em São Paulo, após menina de 11 anos ter acesso a aborto legal barrado - Bruno Santos - 23.jun.2022/Folhapress

Desde então, a legislação ficou parada no Congresso. Até agora.

No último sábado, 1º de abril, sem conseguir angariar o apoio de um terço dos parlamentares, a PEC foi definitivamente arquivada. O prejuízo no campo reacionário, no entanto, não se restringiu apenas ao Congresso.

Em 2020, uma menina de dez anos engravidou após ter sido estuprada pelo tio no Espírito Santo. O caso se enquadrava em duas das três possibilidades de aborto previstas, atualmente, pelo Código Penal: gravidez após estupro e risco de morte, uma vez que seu corpo não era suficientemente desenvolvido para suportar uma gestação.

Contudo, no dia da realização do procedimento, um grupo protestava na porta do hospital para que a intervenção fosse cancelada. Por conta do tumulto, a menina entrou no hospital escondida no porta-malas de um carro.

Assessores de Damares Alves foram apontados como suspeitos por vazar informações confidenciais que possibilitaram o ato no hospital. Além disso, a então ministra teria agido nos bastidores para forçar a realização do parto, desconsiderando os riscos à vida da menina.

Sua atuação cruel e desastrosa rendeu aos reacionários uma derrota importante junto à opinião pública.

Pesquisas realizadas pelo Datafolha em dezembro de 2018 e maio de 2022 registraram uma queda de 41% para 32% da parcela da população que quer proibir o aborto em qualquer caso.

Ao mesmo tempo, os números daqueles que acreditam que o direito ao aborto deve ser estendido ou permitido em qualquer situação subiram. Hoje, cerca de 26% da população é abertamente favorável ao avanço da legislação em prol dos direitos de meninas e mulheres.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que o aborto inseguro está entre as cinco principais causas de morte materna no mundo. E a maioria dos brasileiros sabe disso.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2022 pela Agência Patrícia Galvão e o Instituto Locomotiva, 84% da população afirma que o aborto clandestino, realizado sem condições de saúde adequadas, é uma das principais causas de morte de grávidas no Brasil.

Além disso, 67% afirmam que criminalizar a prática não resolve o problema, e 64% entendem que o aborto "é um assunto de saúde pública e direitos" —apenas 3% o relacionam com religião. Está mais do que na hora de tais percepções se refletirem no avanço da legislação.

Erramos: o texto foi alterado

A PEC foi arquivada sem conseguir o apoio de um terço dos parlamentares, não três terços ou dois terços, como afirmaram versões anteriores deste texto

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