Casos do Acaso

Série em parceria entre a Folha e a Conspiração Filmes. Narrativas enviadas pelos leitores poderão se transformar em episódios audiovisuais criados pela produtora. Veja como participar no fim do texto

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Casos do Acaso

Depois de uma entrevista com um homem que parecia o Justus, fui contratada por engano

Uma funcionária me confundiu com outra pessoa e falou para eu começar na semana seguinte

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Carolina Simões

Especialista em comunicação, mora em Itapevi (SP)

Aos 18 anos, fui indicada pela minha amiga Thais para ser recepcionista em uma transportadora perto da minha casa. Seria meu primeiro emprego fixo, e eu e minha família estávamos na expectativa.

Eu cursava administração de empresas para tentar um emprego registrado, enquanto meu coração me pedia para estudar jornalismo (que começava a bambear por causa da discussão sobre obrigatoriedade do diploma).

No dia da entrevista, emprestei um terninho da minha mãe e comprei um sapato meio social que apertava o meu pé. Era como estar no corpo de outra pessoa, mas eu estava feliz.

Em uma sala silenciosa e fria, eu aguardava o gestor da vaga. Durante a nossa conversa, eu ressoava apenas inexperiência. Lembro-me de ter conseguido dizer com real clareza apenas as palavras que ouvi em um vídeo do professor Marins: motivação, liderança e trabalho em equipe. Assim, nessa ordem, meio aleatoriamente.

Ele, que se chamava Rodrigo Ribeiro e parecia ser a miniatura do Roberto Justus, mexia a cabeça mecanicamente de um lado para o outro enquanto demonstrava desconforto e insatisfação.

Comecei a me sentir envergonhada e, a partir daí, não me lembro mais o que eu fui capaz de responder. Eu só sei que eu queria um emprego para me dedicar, como eu havia aprendido tanto no meu trabalho voluntário na Kolping e nos comércios da minha família. Eu me sentia pronta.

Saindo da sala, dando adeus àquele momento constrangedor de um iniciante na carreira, dei uma passada no prédio ao lado para me despedir da tal amiga que havia me indicado, e explicar para ela que, evidentemente, não daria certo e que eu seria eternamente grata.

Por sorte —e fui entender isso depois de um tempo— ela não estava lá naquele dia. Fui, então, pedir à funcionária Fagna para deixar o meu recado, mas, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela me olhou feliz e disse: "Que bom que deu certo, você começa na segunda! Assina aqui".

Eu me lembro de ter ficado olhando para ela por alguns segundos, com uma cena passando na minha cabeça, imaginando aquele gestor estranho e quase monossilábico ligando para o RH pedindo para me avisar que deveriam me contratar "agora mesmo" e ao mesmo tempo pensando em como a comunicação funcionava bem ali. Foi o tempo de eu cruzar o cinzento pátio.

No meu primeiro dia, atrás do meu alto balcão —porque recepcionista tem muito mais do que uma mesa— eu estava vestindo a minha melhor roupa. Quando o Rodrigo apontou lá na ponta da calçada, eu já abri um sorriso sutil e esperei que a porta se abrisse.

Antes que isso acontecesse, notei que ele reduziu o passo e ficou com um semblante assustado. Parecia vir em câmera lenta. A porta automática então se abriu e ele paralisou no meio dela. Conseguiu me perguntar: "O que você está fazendo aqui?".

Foi como ter desmaiado. Eu não me lembro de nada do que eu contei. Apenas dele, por fim, subindo as escadas chacoalhando a cabeça dizendo que iria ver o que tinha acontecido.

Morei em um buraco escuro por umas 3 horas, até que ele desceu novamente e me disse: "É, houve um engano, mas agora não tem mais o que fazer".

Foram dias duros, durante o ano inteiro. Cada dia era uma nova chance de provar que aquele acaso poderia ser bom. Trabalhei três vezes mais, tentei demonstrar meu interesse em cada detalhe.

O tempo passava, e eu não era cogitada para as novas vagas no atendimento nem recebia autorização para almoçar no refeitório administrativo, mesmo tendo conquistando a confiança de muitas pessoas. Enquanto isso, eu me divertia no refeitório dos caminhoneiros, contando piadas e fazendo amigos que tinham tantas histórias pra contar.

Contei pelo menos três pessoas que passaram pelo atendimento e saíram, sem performance, até que me deram uma chance. Era para atender o cliente mais difícil, que gerava os piores problemas.

Um ano depois, quando eu já tinha amadurecido um pouco mais e perdido o medo de errar, segui meu sonho. Entrei para o curso de jornalismo e consegui um novo trabalho em uma agência de shows, que me escolheu porque gostou da minha experiência com atendimento.

No dia do pedido de demissão, hospitalizado porque sofria de colite, Rodrigo me ligou pedindo para ficar, que não tinha encontrado ninguém que tivesse conseguido cuidar tão bem daquele cliente e que tinha bons planos para mim.

Eu agradeci, como se fizesse as pazes, e sorri por dentro, como se lavasse a alma.

Era hora de ir. Deu tudo certo!

​Para participar da série Casos do Acaso, o leitor deve enviar seu relato para o email casosdoacaso@grupofolha.com.br. Os textos devem ter, no máximo, 5.000 caracteres com espaços e precisam ser inéditos, não podem ter sido publicados em site, blog ou redes sociais. As histórias têm que ser reais e o autor não deve utilizar pseudônimo ou criar fatos ou personagens fictícios.

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