Casos do Acaso

Série em parceria entre a Folha e a Conspiração Filmes. Narrativas enviadas pelos leitores poderão se transformar em episódios audiovisuais criados pela produtora. Veja como participar no fim do texto

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Casos do Acaso
Descrição de chapéu férias

Dois agentes entraram no nosso quarto em Miami em busca de um segredo

Algo estava escondido no forro da cadeira do hotel onde estava hospedado com minha família

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Guilherme Scarpellini

Jornalista e advogado, mora em Araxá (MG)

Quando meu pai anunciou que viajaríamos aos Estados Unidos, uma mulher era eleita presidente do Brasil, assumíamos a posição de sexta maior economia do planeta e empregadas domésticas frequentavam a Disney. Por mim, a vida poderia se resumir a um replay daqueles primeiros dias de 2011.

Com o dólar a R$ 1,67, desembarcamos no aeroporto de Miami com o heroísmo de quem pisa na Lua. A primeira evidência de nossa conquista surgiu assim que alcançamos o saguão para a retirada das malas: ao lado da esteira, marmanjos se acotovelavam para assistir a uma partida de basquete em um televisor suspenso. Sim, isso são os Estados Unidos da América! Mas, espera aí. Aquilo que eles estavam falando era espanhol? Sim, isso é Miami.

Com as malas nas mãos, tomamos um táxi. Apreciamos o caminho por uma ensolarada Miami Beach, com seus luxuosos iates ancorados e excêntricos frequentadores de camisas florais. Dali a pouco, chegamos ao hotel, na Collins Avenue.

Palmeiras e bromélias decorando a fachada do prédio davam indícios de que aquele ponto era uma espécie de ilha tropical cravada no hemisfério norte. Foi na hora de gastar o meu inglês que as evidências se confirmaram. O bagageiro era brasileiro. O balconista era brasileiro. Mas a camareira, essa, sim, era estrangeira. "Yo soy de Puerto Rico!"

Meu pai e minha mãe ficaram em um quarto. Eu e minha irmã, em outro. Dois andares nos separavam, de modo que precisávamos utilizar os telefones do hotel para nos comunicarmos. Todos os dias, às 7 horas, o meu pai nos acordava. Afinal, era a nossa primeira viagem ao exterior. Precisávamos aproveitar cada raio de sol que banhava aquela cidade que parecia ter surgido do cruzamento entre Los Angeles e Rio de Janeiro.

Às vezes, meu pai também nos chamava à tardezinha, quando tirávamos uma soneca depois de um dia intenso. Eu atendia com um alegre "hello", na expectativa de travar um diálogo com algum falante da língua inglesa. Mas, do outro lado, a resposta era sempre um "já estão prontos?". Por isso, quando o telefone tocou naquela tarde preguiçosa, fingimos que não era conosco.

O telefone tocou mais de uma vez, e esperamos que o meu pai desistisse logo. Sempre vencíamos pelo cansaço. Mas, naquele dia, ele não estava disposto a perder. Dois ou três minutos depois, a campainha do quarto soou.

Minha irmã continuou fingindo que estava dormindo. Utilizei do mesmo expediente e não movi um dedo. Mas ouvi um burburinho lá de fora. Um burburinho em inglês! Provavelmente algum funcionário do hotel queria nos dizer qual era o cardápio do jantar. Ou seja, uma ótima chance de falar inglês. Vesti qualquer roupa e corri até a porta. Foi quando colei o rosto no olho mágico que dei de cara com eles.

Dois homens magros e altos, vestindo ternos pretos, estavam parados do outro lado, como um casal de pinguins. Eles não pareciam os funcionários do hotel. Não usavam crachás. Ainda pelo olho mágico, vi um deles enfiar o dedo na campainha novamente, enquanto o outro dizia alguma coisa girando o rosto, como se houvesse um microfone acoplado à lapela do terno.

Com a insistência dos visitantes, minha irmã se despertou do sono falso e quis saber quem era. Sem titubear, respondi: "Bond, James Bond". Ela franziu a testa, como quem diz: "Hã?". E antes que ela pudesse realmente dizer, abri a porta.

Os dois nos cumprimentaram e foram direto ao assunto. Disseram que precisavam entrar. Não era necessário falar inglês para entender que eles não estavam pedindo permissão. Aquilo era um aviso. Eles entraram.

Minha irmã, de camisola, voltou para a cama e cobriu-se com uma mantinha. Eu fiquei parado na porta, sem reação. Os agentes secretos tinham uma missão a ser cumprida e não poderiam falhar. Sem olhar para os lados e sem dizer uma palavra, apenas caminharam em direção à mesinha de canto rodeada por três cadeiras.

Um deles pegou a cadeira do meio. Nem a cadeira da esquerda, nem a da direita. Era a cadeira do meio que eles queriam. Com o móvel nas mãos de um deles, os dois passaram por mim, agradeceram e sumiram no corredor. Fechei a porta. Eu e minha irmã nos entreolhamos, pasmos. Antes que pudéssemos comentar aquela cena surreal, a campainha tocou novamente.

Desta vez, nem olhei no olho mágico. Abri a porta e eles estavam lá: os dois homens e a cadeira. Precisei arredar um pouco para que eles não passassem por cima. Entraram como duas sombras, puseram a cadeira no lugar e, quando iam saindo, perguntei: "Algo de errado com a cadeira?". Um deles respondeu: "That’s OK". E virou as costas.

Assim que fechei a porta, começamos a investigar o móvel. Quando olhamos por baixo, o forro da cadeira estava completamente rasgado. Provavelmente, por um estilete. Mais tarde, desci à recepção para assuntar o ocorrido. Mas as respostas eram sempre evasivas. Um dos funcionários chegou a dizer que havia cupim no hotel.

Até hoje, eu e minha irmã nos perguntamos qual segredo poderia guardar uma simples cadeira em um quarto de hotel em Miami. Diamantes? Drogas? Dinheiro? Jamais saberemos. Assunto secreto.

​Para participar da série Casos do Acaso, o leitor deve enviar seu relato para o email casosdoacaso@grupofolha.com.br. Os textos devem ter, no máximo, 5.000 caracteres com espaços e precisam ser inéditos, não podem ter sido publicados em site, blog ou redes sociais. As histórias têm que ser reais e o autor não deve utilizar pseudônimo ou criar fatos ou personagens fictícios.

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