Casos do Acaso

Série em parceria entre a Folha e a Conspiração Filmes. Narrativas enviadas pelos leitores poderão se transformar em episódios audiovisuais criados pela produtora. Veja como participar no fim do texto

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Casos do Acaso

Jantei com Claudia Schiffer em uma ilha grega, e ela não riu das minhas piadas

Supermodelo sentou com duas amigas na minha mesa, a única do restaurante que tinha lugares

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Claudio Zaltzman

Mora no Rio de Janeiro

No sábado, ela era só ternura e carinhos; no domingo, me acorda e anuncia: "Acabou".

Corta. Grécia, um ano depois.

Estou em Naxos, em mais uma de várias tentativas de esquecer a ingrata. Ao fim de um dia inteiro caminhando pela ilha, decido jantar cedo. Perto da minha pousada há um restaurante super simpático, com mesinhas num pátio externo e comida promissora. Resolvo experimentar. São umas 7h da noite, e o lugar está vazio. Sento-me, dou uma geral no cardápio e escolho um prato à base de berinjelas. A comida está deliciosa, o que me vale uma sensação de vingança contra a malvada —a celerada que dispensa namorados às 9h da manhã de domingo. Viu o que você perdeu?

Terminado o jantar, resolvi avançar algumas páginas do meu livro antes de voltar para a miserável solidão do meu quarto. Eu estava lendo "Eurico, o Presbítero" —o que dá bem a medida do meu estado de espírito. Concentrado na leitura, não percebi o tempo passar. O que percebi, pelo canto do olho, foi um vulto se aproximando lá de longe.

Praia na ilha de Naxos, na Grécia - costas1962 - stock.adobe.com

Quando a gente percebe um vulto se aproximando, a gente olha, é instintivo. Deve ser um mecanismo automático de defesa —herança dos trogloditas, talvez? Por um segundo, virei-me para o vulto. Era uma moça alta, loura e bonita que acabara de entrar no pátio do restaurante. Voltei aos visigodos e sarracenos. Mas o rabo do olho percebeu o vulto se avolumar, de forma que eu dei uma segunda olhada.

Provavelmente, os trogloditas também davam uma segunda olhada se o vulto se avolumasse. Dessa vez, a duração da olhada foi um pouco maior e não em razão da proximidade da moça, mas da sua beleza deslumbrante, agora percebida com mais nitidez. Ainda tentei voltar ao livro, mas, a essa altura, eu já nem sabia mais o que estava lendo, muito menos quem estava guerreando contra quem.

Ainda se seguiram outras duas ou três olhadas, que revezavam a moça e o livro, até que ela parou junto a mim e perguntou, num inglês com sotaque alemão, se poderia sentar-se à minha mesa.

Não sei como os trogloditas reagiriam numa situação dessas; o que eu fiz foi gaguejar, e não por falta de vocabulário em inglês. De alguma forma consegui fazê-la entender que sim, claro, por favor.

Ela agradeceu. "Estou com duas amigas", anunciou. As ditas-cujas surgiram não sei de onde, me deram boa noite e se sentaram também. Eram feias. Só então, me dei conta de que o restaurante estava lotado e que a minha mesa era a única com três assentos livres.

"Deixem ver se eu adivinho: vocês são Hildegard, Gudrun e Hannelore, acertei?", perguntei. Elas riram muito. Bem, na verdade, só as feias; quem eu queria que risse não achou graça nenhuma. "Esses são os nomes das nossas mães!", uma delas respondeu.

Elas se apresentaram, mas só guardei o nome de uma: Claudia. Para uma linda mulher, um lindo nome —feminino do meu. Um ponto em comum. Estavam em férias na Grécia, assim como eu.

Por incrível que pareça, a piadinha sobre os nomes serviu como o quebra-gelo de um papo que se revelou bastante agradável. Detalhe: só a feia nº 1 falava comigo; a nº 2 sorria muito, mas não dizia nada. Quanto à Claudia, a deusa de 20 aninhos, totalmente alheia à conversa, havia puxado da bolsa um cartão postal em branco e uma caneta e parecia buscar inspiração nas estrelas.

Não lembro o que conversei com a feia nº 1 —provavelmente falamos sobre ilhas gregas e berinjelas. A nº 2 continuava sorrindo para tudo. Claudia só havia rabiscado umas poucas palavras, o que, a meu ver, depreciava o poder inspirador do céu grego. A todo momento eu tentava incluí-la na conversa, mas ela se mostrava desinteressada, distante. Vai ver, não gostava de berinjelas.

A feia nº 1 me confidenciou que a Claudia estava tentando escrever para o namorado, mas não sabia o que dizer. Ah! Então a deidade também tinha viajado sem o namorado! Mais um ponto em comum! Seria aquilo o prenúncio de algo promissor?

Depois de muita conversa, percebi que o postal da Claudia já não tinha mais um milímetro quadrado livre —as ideias tinham vindo afinal, aos borbotões. Não vou negar que isso me abateu um pouco, tanto que eu amaldiçoei o céu grego e o namorado distante. Em português mesmo, para não ser compreendido.

Claudia Schiffer está de pé diante de uma parede com a divulgação do filme "Silent Night". Ela está loira, veste um vestido preto florido sem mangas e segura na cintura com uma das mãos
A modelo e produtora alemã Claudia Schiffer durante a exibição do filme "Silent Night", em Londres - Vickie Flores - 15.nov.21/EFE

Enfim, elas se levantaram. Nos despedimos —as amigas muito simpáticas até o fim, a Claudia sem sequer olhar para mim a noite inteira. Voltei sozinho para a minha pousada, frustrado por não ter podido me vingar da ingrata em grande estilo, como ela merecia. Deitado na cama, na fiel e solitária companhia de Herculano, eu tentava prestar atenção ao massacre dos infiéis pelo Cavaleiro Negro, mas meus pensamentos a todo momento resvalavam para a Claudia, para a linda e elusiva Claudia.

E num instante de clarividência, uma pergunta estalou os meus miolos: Claudia, alemã, linda de morrer, loura, olhos azuis... Será que... Não, não pode ser!

Naquele tempo não havia internet. Tive que esperar três semanas para, de volta ao Brasil, folhear uma revista, e enfim confirmar: eu tinha jantado com a Claudia Schiffer.

​Para participar da série Casos do Acaso, o leitor deve enviar seu relato para o email casosdoacaso@grupofolha.com.br. Os textos devem ter, no máximo, 5.000 caracteres com espaços e precisam ser inéditos, não podem ter sido publicados em site, blog ou redes sociais. As histórias têm que ser reais e o autor não deve utilizar pseudônimo ou criar fatos ou personagens fictícios.

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