Casos do Acaso

Série em parceria entre a Folha e a Conspiração Filmes. Narrativas enviadas pelos leitores poderão se transformar em episódios audiovisuais criados pela produtora. Veja como participar no fim do texto

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Casos do Acaso

Fiz amizade com especialista em perfumes quando tentava recriar cheiros da Bíblia

Conheci o trabalho de Chandler Burr após ler uma nota na coluna de Elio Gaspari

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paulo de tarso

Arquiteto e doutorando em artes visuais na Unicamp

Em 30 de abril de 2006, Elio Gaspari publicou na sua coluna semanal de domingo uma pequena nota sobre o livro "O Imperador do Olfato", de Chandler Burr. Imediatamente, encomendei o livro e o devorei ao cabo de alguns dias.

O livro é um dos melhores que já li sobre perfumes, contando com um perfeito faro jornalístico, um assunto que a princípio pode parecer de pouco interesse. Aromas e cheiros eram temas que já me chamavam atenção na época e ainda chamam após 15 anos.

Passados dois ou três anos, eu pesquisava fragrâncias para escrever um pequeno livro que se chamaria "Aromas Divinos: uma Investigação Olfativa da Bíblia", em que investigava os aromas e cheiros descritos no livro sagrado, que poucos sentiram.

Eu me baseava em um estranho livro que comprara, "If There Ever Was: a Book of Extinct and Impossible Smells", de Richard Blackson. Uma das mais fantásticas experiências do sentido olfativo que alguém pode ter. Ele descreve os aromas e traz folhas com micropontos que, ao serem raspados, liberam o cheiro descrito.

Há no livro, por exemplo, como se fosse possível sentir, o cheiro do sol, o cheiro da última refeição de um prisioneiro, o cheiro de Hiroshima (um dos mais impressionantes), o cheiro dos cabelos de Cleópatra. Enfim, aromas impossíveis, mas reconstruídos através dos poderes da química.

Inspirado por este livro, eu imaginava poder fazer o mesmo com as fragrâncias que podem ser encontradas nos diversos versículos da Bíblia, a começar pelo cheiro de que Deus gosta, proibindo e ameaçando quem o reproduzir, passando pelos aromas que Madalena preparou para envolver o corpo de Cristo e inclusive o próprio cheiro de Cristo, retirado da cruz (provavelmente suor e hemoglobina).

Assim eu pesquisava tudo que tivesse a ver com cheiros e aromas. O artigo do Elio me pôs nas pegadas de Chandler Burr. Algum tempo depois, li que ele viria ao Brasil para apresentar um jantar aromático, onde misturava gastronomia e perfumes. Soube que ele escrevia uma coluna no jornal The New York Times: fui lá e encontrei o email dele.

Na cara de pau, mandei uma mensagem para ele em um inglês sofrido, perguntando, na tentativa de puxar um assunto, se era verdade que o perfume Chanel nº 5 continha lágrimas de tigre —uma falsa lenda que eu achava fascinante.

Poucos dias depois, ele me responde: "Olá Paulo, tudo bem? Eu falar um poquinho da português, eu morar uns 6 meses no Rio da Janeiro". Uau! Ele fala português e morou por aqui. Entabulei uma conversa, mas o português dele era pior que meu inglês.

Fui buscar quem era Chandler Burr e descobri que era um jornalista de economia que havia viajado o mundo, estivera no Brasil, Japão e outros países. Na viagem pela Europa, estava em Roma, com destino a Milão, quando na plataforma ele fica ao lado de uma pessoa e começa a puxar conversa. Esse homem se tornará o assunto do livro.

Era Luca Turin, um biólogo. Nas palavras de Elio, "um personagem do século XIX com a cabeça no século XXI". Uma figura absolutamente fascinante, conhecedor profundo dos meandros da indústria do perfume e caçador de aromas extintos, buscando vidros de perfumes antigos para conhecer seus cheiros. Luca é capaz de identificar o aroma de moléculas no ar. Ele entra em um local e diz: "há moléculas de tal substância aqui".

Vendo uma oportunidade de encontrá-lo pessoalmente, perguntei se ele aceitaria um jantar em São Paulo? Ele aceitou prontamente. Tenho amigos que são dois grandes anfitriões: ela era alta executiva de um grande banco internacional, e ele, um maravilhoso contador de casos e cozinheiro magnífico. Como não confiava no meu inglês, coloquei minha filha na roda.

Quando fomos buscá-lo no hotel, levamos um susto. Chandler tem cerca de 2 metros de altura e quase não coube no carro. Foi uma noite agradabilíssima. Ele é um cara extremamente gentil, inteligente e capaz de manter uma conversação interessante por longas horas.

Nessa noite, ele nos perguntou onde guardávamos nossos perfumes. Ao respondermos que os deixávamos nos armários e banheiros, ele riu e disse que era o pior lugar. "Guardem na geladeira", indicou. Desde então, nossos perfumes ficam na geladeira, e sua duração e qualidades aromáticas permanecem por muito mais tempo.

Chandler foi o primeiro crítico de perfumes do New York Times até 2010, quando assumiu o Museu do Perfume de Nova York, do qual é criador e curador. Sua exposição "A Arte do Perfume 1889-2011" exibiu 12 obras de "arte olfativa" e as expôs como "uma forma de arte pura nascida perto da virada do século XX, como o próprio Modernismo".

Chandler me chamou para desenvolvermos uma embalagem para perfumes, mas que infelizmente não foi para frente. Ele continua a desenvolver jantares aromáticos e faz consultorias para a indústria. Vive com Noah, seu marido, e três filhos.

Uma nota de jornal pode trazer amizades incríveis!​

​Para participar da série Casos do Acaso, o leitor deve enviar seu relato para o email casosdoacaso@grupofolha.com.br. Os textos devem ter, no máximo, 5.000 caracteres com espaços e precisam ser inéditos, não podem ter sido publicados em site, blog ou redes sociais. As histórias têm que ser reais e o autor não deve utilizar pseudônimo ou criar fatos ou personagens fictícios.

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