Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Evidência sobre uso de drogas no país

Não se impõem melhoras por censura nem se ganha o debate por argumento de autoridade

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A Fiocruz foi finalmente autorizada a divulgar os resultados da pesquisa sobre o uso de drogas na população brasileira, após acordo entre a própria instituição, a Advocacia-Geral da União e o Ministério da Justiça. 

O estudo, que custou R$ 7 milhões e foi financiado através de edital público, buscou preencher uma importante lacuna de informação sobre o uso de drogas, especialmente as ilícitas, invisíveis em grande parte dos levantamentos existentes. 

Ainda que os números não sejam mais novidade —houve divulgação de forma extraoficial pelo site The Intercept no início do ano—, puseram-se em xeque a credibilidade da Fiocruz e a própria veracidade dos fatos documentados, perante desconfiança de falhas metodológicas no levantamento.

Foram disponibilizados a íntegra da pesquisa e todos os anexos que embasaram as escolhas do questionário utilizado, a amostra selecionada, metodologia e apurações realizadas e a comparabilidade dos números com as estatísticas existentes para o Brasil e o mundo. 

No centro da disputa está justamente a escolha da amostra, que impede a comparação das estatísticas sobre o uso de drogas ao longo do tempo. Os estudos anteriores, realizados em 2001 e 2005, não eram representativos da população e cobriam só os 108 maiores municípios do Brasil. No levantamento atual, foram adotados padrões metodológicos semelhantes à Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, em amostra abrangendo 351 municípios representativos. 

Fica evidente que na escolha há vantagens e desvantagens, mas a solução apresentada pela Fiocruz não é nova. Recentemente, a coleta de dados sobre o mercado de trabalho passou por reformulação semelhante. A Pesquisa Mensal de Emprego foi descontinuada e substituída pela Pnad Contínua, introduzindo dificuldades relacionadas a comparabilidades de alguns números, no benefício de um levantamento com maior cobertura geográfica.

Assim, na atual divulgação, a Fiocruz também disponibilizou análise temporal e comparada do novo levantamento com os anteriores, ainda que não atenda critérios acadêmicos rigorosos.

Ao ser transparente em sua metodologia, a Fiocruz fomenta a clareza do debate. As escolhas metodológicas podem agora ser discutidas pela sociedade e por especialistas. Vencerão os melhores argumentos, e eventuais correções, caso necessárias, poderão ser feitas no futuro. 

Não se impõem melhoras por censura, não há certeza de uma melhor metodologia nem se ganha o debate por argumento de autoridade. Além disso, o detalhamento do estudo divulgado permite que as evidências encontradas possam ser reproduzidas por outros pesquisadores, nos mesmos dados ou em outros contextos, a fim de serem contestadas.

A polêmica envolvida no caso acabou por roubar o espaço da verdadeira discussão que o levantamento deveria ter trazido. No pior cenário, descreve a situação atual de uso e dependência de drogas, ainda que não comparável temporalmente. Chama a atenção o consumo de crack, usado por 172 mil brasileiros nos últimos 30 dias.

Apesar de a taxa de incidência ser semelhante no Brasil e no EUA, os números brasileiros estão subestimados de forma expressiva, já que o inquérito domiciliar realizado não captura parte substancial dos usuários de crack, que mora na rua.

Cabe discussão se a Fiocruz cumpriu ou não com as regras do edital e se fez as melhores escolhas amostrais e metodológicas possíveis. Mas, de sua parte, a instituição entregou todas as respostas para as suas escolhas, de forma clara, transparente e visando fomentar o debate público. Que os opositores possam agora fazer suas contestações de forma semelhante. 

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