Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Parasitas no debate

Declaração infeliz do ministro só serve para continuar protegendo a elite do funcionalismo

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Por trás da cortina de fumaça que se formou com a fala do ministro da Economia –comparando servidores a parasitas– há questões objetivas sobre o funcionalismo público que precisam ser debatidas sem preconceito.

Em primeiro lugar, a premissa de que o gasto com funcionalismo é elevado é verídica. Segundo estudo recente de Armínio Fraga, o Brasil gasta mais que muitos países desenvolvidos, como Suécia, Reino Unido, EUA e Alemanha, tanto como proporção do PIB quanto como proporção da despesa total.

A divulgação do Atlas do Estado Brasileiro pelo Ipea, ao fim de 2019, trouxe ainda mais transparência ao debate. Em 2017, o pagamento desses salários consumiu R$ 725 bilhões, chegando a 10,7% do PIB.

De forma mais importante, o estudo do Ipea evidenciou que a evolução do funcionalismo e dos recursos destinados a ele não é fenômeno homogêneo nas diversas esferas do governo. Assim, uma reforma administrativa bem-sucedida deverá envolver a uniformização de critérios no plano de carreiras de todo o funcionalismo, afetando, obviamente, uns muito mais que outros.

O primeiro aspecto documentado envolve a enorme expansão no número de vínculos municipais que ocorreu entre 1986 e 2017. O crescimento no efetivo de servidores nessa esfera está inerentemente associado às diversas garantias estabelecidas na Constituição de 1988, como a expansão e a universalização dos serviços de saúde e educação. No caso dos municípios, 40% das ocupações correspondem aos profissionais dos serviços de educação ou saúde, como professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.

Nessa esfera administrativa, mais que a expansão do número de funcionários em si, cabe discutirmos se serviço prestado pelos servidores atende de forma apropriada às demandas da população, que segue insatisfeita com os serviços de saúde e educação que recebe.

Aqui, a reforma administrativa precisa propor mecanismos que melhorem a qualidade dos serviços públicos, permitindo, por exemplo, maior flexibilização na realocação, na contratação e na demissão dos servidores, assim como o uso de critérios de performance nas promoções de carreira.

Um segundo aspecto igualmente importante é o peso relativo do funcionalismo federal e dos diferentes Poderes nos gastos de pessoal.

Ainda que tenha havido relativa estabilidade no funcionalismo federal nas últimas três décadas, o peso relativo dessa categoria no Orçamento público permanece expressivo.

Os servidores federais são menos numerosos –representam em torno de 10% do funcionalismo total–, mas ganham, em média, três vezes mais que os servidores municipais.

Assim, enquanto a esfera municipal emprega 6,52 milhões ao custo de R$ 268 bilhões, a esfera federal emprega 1,18 milhão ao custo de R$ 184,2 bilhões.

Discrepância ainda maior aparece na comparação entre os Poderes. Em 2017, a remuneração média do Judiciário foi de R$ 12.081; no Legislativo, de R$ 6.025, e, no Executivo, de R$ 3.895. Segundo relatório do Conselho Nacional da Justiça, o gasto com o Judiciário em 2018, em todas as suas esferas, somou R$ 94 bilhões, ou 1,4% do PIB. Desse total, 91%, ou R$ 85 bilhões, foram alocados a recursos humanos, cuja força de trabalho soma apenas 450 mil funcionários.

Qualificar os servidores de forma genérica e pejorativa cria enormes resistências a uma reforma que se faz extremamente necessária para o crescimento do país e para a redução das nossas desigualdades. Os motivos são objetivos e livres de juízo de valor.

A reforma administrativa deve servir tanto para melhorar a qualidade dos serviços à população quanto para corrigir distorções de salários e benefícios injustificáveis que algumas categorias conseguiram obter nas suas relações simbióticas com o Estado.

A infeliz declaração do ministro e a discussão superficial que se seguiu dela servem apenas para continuar protegendo a elite do funcionalismo e seus enormes privilégios.

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