Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Uma medida, vários pesos

Rede de proteção pulverizada não atende critérios de justiça social

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Demorou, mas foi, enfim, divulgada a fila para o Bolsa Família (BF) em 2019. O programa voltou a registrar espera na concessão de novos benefícios: quase meio milhão de famílias aguardam sua inclusão no programa, ainda que estejam em situação de pobreza.

A fila é resultado de duas características do programa. Primeiro, a concessão do benefício depende de quantas famílias já foram atendidas no município em relação às estimativas feitas para a localidade.

E, segundo, a concessão de novos benefícios precisa respeitar o limite orçamentário do programa. Para 2019, o orçamento foi de R$ 30 bilhões, e esse número será mantido também para 2020.

A implementação do programa, via orçamento preestabelecido que respeita o teto dos gastos do governo, não é de fácil ajuste no curto prazo, mas tem suas vantagens. Qualquer expansão do programa precisa contar com a devida realocação de recursos para sua execução. 

Em 2019, houve movimentos expansionistas, como o inédito pagamento da 13ª parcela, e contracionistas, como o pente-fino que detectou fraudes na concessão do benefício

No líquido, a execução final do programa não coube no orçamento, gerando fila para novas concessões.

Ainda que seja questionável aumentar a fila de espera para dar preferência ao pagamento da 13ª parcela, a alocação orçamentária explicita, de forma transparente e objetiva, qual importância damos aos nossos programas de assistência. Se não estamos satisfeitos com a fila, ou se queremos aumentar o valor do benefício, devemos propor um orçamento condizente e redirecionar outros recursos do orçamento para o programa. 

É inegável que a execução orçamentária do BF cumpre boas práticas de gestão de recursos públicos.

Entretanto, muitos outros programas assistenciais não cumprem essa regra. Em geral, são assistências que estão escondidas dentro do nosso sistema de seguridade social, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), o auxílio-reclusão, o salário-família e o abono salarial.

O BPC é programa assistencial, pois sua concessão depende de condição de pobreza, assim como o BF. O auxílio-reclusão também. Ele não visa premiar o trabalhador preso que fez contribuições prévias ao INSS. Ao contrário, busca assistir crianças e famílias que se encontram em situação disfuncional. Assim, é um programa assistencial em sua natureza. 

Raciocínio similar se aplica ao salário-família e ao abono salarial, benefícios compensatórios para trabalhadores com baixos salários. Também nesses casos, há critério de renda na concessão do benefício.

Mas, ao contrário do que ocorre no BF, não há fila na concessão do BPC, do auxílio-reclusão, do salário-família e do abono —ainda que haja fila para o atendimento no INSS. Nesses casos, o orçamento é endogenamente definido pela população elegível, sem que se explicite nossa real decisão alocativa entre os diversos programas. 

Cabe discutirmos por que transferimos mais renda para o idoso e deficiente, em detrimento das crianças, e por que assistimos apenas a família vulnerável do preso que tinha carteira assinada e fechamos os olhos para a família do preso em vínculos informais ou atividades ilegais. 

A provisão de assistência via INSS negligencia todo o enorme contingente de trabalhadores informais e desempregados, em condições de vida muito mais precárias que aqueles com a sorte da carteira assinada.

Uma rede de proteção pulverizada, que trata o mesmo tipo de pobreza de forma diferente em seu critério de elegibilidade, na alocação dos recursos orçamentários e em seus limites ao atendimento e cobertura, não atende critérios de justiça social. 

A unificação das assistências sociais fora do sistema de seguridade social tem o potencial para tratar de forma mais equitativa todas as situações de pobreza e vulnerabilidade. Precisamos urgentemente passar a usar o mesmo peso para a mesma medida.

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