Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Mãos no volante, olhos no retrovisor

Gestão eficiente da epidemia requer mais integração para que decidamos olhando para a frente

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Todos os dias, diversos boletins epidemiológicos divulgam novos números de caso e óbitos por Covid-19. A divulgação garante enorme transparência no acompanhamento da epidemia. Mas variações nas disponibilidades e aplicação dos testes de diagnósticos dificultam a interpretação desses números, que são figuras imprecisas e, em muitos casos, também defasadas, da real situação de contágio do vírus.

A rápida transmissibilidade do vírus, aliada às limitações na quantidade e na frequência com que se consegue administrar os testes, torna difícil saber o quanto o vírus realmente se propagou, não só no Brasil como ao redor do mundo, já que doentes assintomáticos são raramente testados.

Assim, o teste entre os sintomáticos ignora o verdadeiro contágio que acontece na população. Dito de outra forma, o grupo a quem o teste se aplica representa os casos mais graves —clássico problema de seleção de amostra.

No Brasil, os números oficiais são ainda menos confiáveis devido à enorme defasem temporal entre ocorrências e notificações. Apenas o estado de São Paulo acumula 30 mil testes à espera de resultados. Considerando a 12ª semana epidemiológica —cujo último dia se deu em 21/3—, só 25% dos testes tiveram resultado liberado até 8/4.

A discrepância também é evidente quando olhamos para óbitos. Entre os 68 que foram notificados em 11/4, apenas 13 foram imediatamente atribuídos à ocorrência no próprio dia. Como a dinâmica de propagação depende da quantidade de infectados e pode adquirir velocidade acelerada em poucos dias, divulgar hoje a informação de muitos dias atrás é impraticável para gestão eficiente da epidemia.

Na ausência de testes e resultados em tempo real, outros indicadores passam a ser muito mais relevantes no monitoramento da epidemia, como o número de internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), cuja notificação não depende de testagem.

Aqui, foram 37.378 internações até 11/4, número muito superior ao de casos confirmados via testagem em mesma data, 20.727. A comparação entre os anos de 2020 e 2019 em semanas epidemiológicas equivalentes revela realidade ainda mais preocupante: foram 10.669 hospitalizações na 13ª semana de 2020, ante 1.123 em 2019.

Ainda que nem todas as internações por SRAG sejam devidas à Covid-19, 88% das internações com resultados de análise concluídos foram atribuídas a ela. Por essa via, a expansão da epidemia tem sido muito mais abrangente do que o número oficial de casos.

A gestão em tempo real da epidemia requer não só rapidez no diagnóstico de casos e óbitos como também o uso de números e indicadores alterativos, permitindo mais agilidade na flexibilização do isolamento social, cujos custos econômicos e sociais são enormes, especialmente no contexto brasileiro.

Não surpreende que muitos países agora considerem flexibilizações baseadas muito mais na real capacidade de atendimento hospitalar e testagem do que nos números de casos e óbitos.

Mas, ainda que tenhamos avançado na expansão da infraestrutura hospitalar —como a construção de hospitais de campanha e novos leitos em UTI— e na contratação de mais testes de diagnóstico para a Covid-19, a gestão dos recursos permanece altamente descentralizada nos estados e municípios. Por exemplo, não dispomos de informação em tempo real das taxas de ocupação das UTI nos diversos municípios.

Também desconhecemos quantos testes foram usados e quantos ainda estão disponíveis em cada região. Há ganhos na centralização da gestão e da informação, levando em consideração possíveis ociosidades entre as regiões.

A gestão eficiente da epidemia requer mais integração, para que possamos, cada vez mais, tomar decisões olhando para a frente.

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