Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Descrição de chapéu machismo

Hoje, é impossível negar a importância do voto das mulheres nas disputas eleitorais

Participação das mulheres faz muita diferença na escolha dos candidatos e nas políticas públicas implementadas por eles

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A eleição americana de 2020 foi histórica em muitas dimensões, especialmente para minorias e grupos marginalizados, mas também para as mulheres. Ela marcou o centenário da 19ª emenda à Constituição americana, que garantiu o direito de voto a elas e foi celebrada com a vitória eleitoral da primeira mulher em cargo de vice-presidência no país, Kamala Harris.

Em 1920, quando o direito ao voto foi ampliado às mulheres, muitos especulavam que o voto delas em nada mudaria o resultado das eleições. Seja porque suas escolhas seriam espelhos das escolhas de seus maridos, seja porque talvez nem comparecessem às urnas, por falta de interesse na política. Ou mesmo que outras dimensões demográficas e sociais —raça, idade, renda— fossem mais relevantes para suas escolhas.

Pois, se as mulheres estão igualmente distribuídas nos diversos grupos demográficos, seus votos responderiam pouco à dimensão de sexo ou gênero.

Nada disso se confirmou. Nos últimos 80 anos, o diferencial na taxa de comparecimento às urnas entre mulheres e homens passou de negativos 10 pontos percentuais em 1940 para positivos 4 pontos percentuais em 2016. Ou seja, a participação eleitoral das mulheres já ultrapassa a dos homens, tornando-se tanto mais relevante quanto maior a disputa pelos votos.

Mais importante ainda é a evidente preferência das mulheres por candidatos democratas, fato que se repete em todas as eleições desde 1980. Naquele ano, Ronald Reagan levou a eleição americana apesar de ter tido apenas 47% dos votos das mulheres, comparado a 55% do voto dos homens, uma diferença de 8 pontos percentuais.

Na eleição de 2016, a diferença chegou a 11 pontos percentuais —41% das mulheres votaram em Trump, comparado a 52% dos homens, a maior diferença da série histórica. Preferência que se repete também nesta eleição.

A participação eleitoral das mulheres vem mesmo fazendo muita diferença na escolha dos candidatos e nas políticas públicas implementadas por eles. A evidência é coerente com uma enorme variedade de estudos, pesquisas e experimentos que estabelecem que as mulheres concentram suas prioridades em pautas relacionadas ao bem-estar e ao desenvolvimento das crianças e à redistribuição de renda, assim como também em políticas públicas ligadas à saúde e à educação.

Mas, ainda que a inflexão nas escolhas eleitorais das mulheres seja clara o suficiente para inaugurar mais um novo gap de gênero —o gap em escolhas partidárias—, menos óbvias são as explicações para o fenômeno. Ele não parece ser explicado por mudanças em preferência, já que a sociedade americana exibe enorme estabilidade em opinião pública sobre diversos temas, inclusive entre os gêneros.

Também não parece ser decorrente da “feminilização” da pobreza, já que a preferência por candidatos mais à esquerda ocorre inclusive entre mulheres de nível educacional e renda mais altos.

Mais realista é a justificativa baseada na crescente polarização partidária sobre questões relacionadas à pauta identitária das mulheres, como igualdade dos direitos (e deveres) entre os gêneros, evidente nos discursos de Trump e Bolsonaro de agora, mas também presente em 1980, na marcada posição conservadora de Reagan.

Ao fim das contas, as escolhas partidárias são frutos não apenas das preferências do eleitorado feminino e de seus contextos sociais e econômico como também do leque de opções que estão disponíveis nas eleições.

No caso brasileiro, o gap de gênero nas escolhas partidárias também marcou nossa eleição presidencial mais recente. Pesquisa do Datafolha de 25 de outubro de 2018 evidenciou expressiva diferença de 13 pontos percentuais na intenção de votos entre homens e mulheres: 42% das intenções das mulheres foram para Bolsonaro, ante 55% dos homens. Mas aqui é menos claro como a intenções de votos das mulheres se relaciona às questões de gênero.

Não custa nada lembrar que, enquanto Biden e Trump marcaram posições diametralmente opostas em temas polêmicos, como o aborto, no Brasil o tratamento dado ao tema foi objeto de convergência entre ambos os presidenciáveis, tanto de direta quanto de esquerda.

Hoje, é impossível negar a importância do voto das mulheres nas disputas eleitorais. Trump, aliás, chegou a pedir o voto delas: “Suburban women, will you please like me?” (mulheres do subúrbio, podem por favor gostar de mim?). Não foi suficiente. É que não dá mais para negligenciar a existência de um enorme eleitorado feminino com pautas e demandas que precisam também representá-las.

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