Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Asfixia econômica

Pode-se evitá-la com parcimônia, credibilidade e planejamento

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A vacina foi aprovada no domingo (17), mas a incerteza sobre a evolução da pandemia nos próximos meses permanece. Ainda vai levar um bom tempo até atingirmos cobertura vacinal ampla. E uma série de outros fatores aponta para um cenário de curto prazo bastante desfavorável, como a nova variante do vírus recentemente descoberta.

Tudo indica que a população está mais tolerante às adversidades da pandemia, tendo em vista o número de mortes que voltamos a alcançar. Mas, se outras cidades passarem a replicar os últimos acontecimentos de Manaus, a intensificação do distanciamento social será inevitável.

Essa eventualidade nos coloca diante de uma decisão bastante difícil. Absorver de imediato todos os efeitos deletérios da reedição da crise, sem um plano para a manutenção de empregos, sem políticas para dar sobrevida às empresas viáveis —porém ilíquidas—, sem um conjunto mínimo de medidas para garantir assistência àqueles que dependem da economia informal.

Ou, alternativamente, estabelecer um mínimo de provisão para a economia atravessar nova turbulência sem muitos percalços, suavizando os impactos adversos da recessão na economia e na vida das pessoas ao longo do tempo.

A escolha entre as duas opções parece ser bastante trivial quando existe um horizonte claro para uma vacinação efetiva, por mais que ainda demore algum tempo para acontecer.

Os benefícios da continuidade do emprego, da manutenção do capital organizacional das firmas, da garantia da segurança alimentar e subsistência das famílias em situação de pobreza são inegáveis.

Afinal, a crise é temporária —apesar de não haver uma data definida para seu fim—,
e faz sentido fornecer algum tipo de seguro para minimizar os impactos adversos da recessão. Não fosse pelo espaço fiscal, que, no momento, é bastante limitado, para não dizer inexistente.

Assim, caso a opção seja por mais gastos, é importante que sejam mínimos e focados, com contrapartidas de financiamento definidas e críveis. A parcimônia se justifica por dois importantes motivos.

Primeiro, a economia e o mercado de trabalho no pós-pandemia serão bastante distintos do que temos hoje. Alguns setores simplesmente deixarão de existir: os ineficientes, dependentes de desoneração, que não contribuem para a economia verde.

Mas muitos outros estão prosperando e prometem se expandir. A economia pós Covid-19 está trazendo realocações no mercado de trabalho que são permanentes, direcionados para setores como o ecommerce e o varejo e a favor de atividades que podem ser executadas de forma remota (Barrero, Bloom e Meyer, 2021).

Uma intervenção pequena e uniforme —que vale para todos os trabalhadores e empresas— abre espaço para realocações na atividade econômica e para a transição de trabalhadores entre os setores, desfazendo os incentivos perversos que perpetuam indústrias pouco produtivas e que dificultam o crescimento econômico do país. Ou seja, tudo o que a mantida desoneração seletiva de 17 setores da economia não faz.

Segundo, uma ponte para atravessar a turbulência é realmente apenas uma ponte. Tem objetivo específico —a subsistência das famílias que perderam seus rendimentos durante a pandemia— e está longe de constituir política que vai reduzir nossas desigualdades, meta que perseguimos por muitas décadas e com sucesso limitado.

Não é razoável acreditar que podemos enfrentar problema tão complexo durante uma das maiores recessões de todos os tempos. Sabemos que as verdadeiras soluções envolvem muito mais do que um programa de transferência de renda.

Na atual conjuntura, mesmo um programa pequeno e focado traz dúvidas sobre solvência do governo e precisa vir acompanhando de medidas críveis que garantem estabilidade macroeconômica e repagamento da dívida pública.

Contrapartidas claras e específicas, seja através de corte de gastos ou através do aumento de impostos, podem até vir no pós-pandemia —após a vacinação e a retomada da economia—, mas é necessário definir hoje quais serão os ajustes de amanhã.

As opções são muitas, e chegou a hora de começarmos a fazer escolhas. A asfixia econômica pode ser evitada com um mínimo de parcimônia, credibilidade e planejamento.

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