Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Um ano de pandemia e não conseguimos resolver detalhes elementares do auxílio emergencial

É difícil entender por que insistimos em um desenho que não atende preceitos básicos que uma ajuda assistencial deve satisfazer

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Na semana passada, começou nova rodada de pagamento do auxílio emergencial, que foi possível apenas após a aprovação da PEC Emergencial, no mês passado, quando o ambiente político pós-eleição dos presidentes da Câmara e do Senado permitiu que as atenções se voltassem às pautas urgentes da sociedade.

O Executivo não tardou e, poucos dias após a promulgação da PEC, editou as regras para a nova rodada, cujo custo estimado alcança R$ 43 bilhões, pagos em quatro parcelas a partir deste mês.

Não havia muitas dúvidas de que alguma rede de suporte para trabalhadores e famílias que caíram em situação de insegurança alimentar viria também neste ano, especialmente agora, com a escalada de mortes, com atrasos no calendário de vacinação e com um mercado de trabalho que dá poucos sinais de recuperação.

Mas, se eventuais falhas na implementação e execução do auxílio poderiam ser justificadas pela urgência dos primeiros meses da pandemia, é difícil entender por que, após mais de um ano em crise sanitária, insistimos em um desenho de auxílio que está longe de atender alguns preceitos básicos que uma ajuda assistencial e temporária deve satisfazer.

São pelo menos dois os objetivos a serem alcançados nesse contexto: primeiro, uma reposição parcial de renda garantindo a sustentação da subsistência básica das famílias, e, segundo, um montante que seja suficiente para manter as famílias em casa quando houver recrudescimento da pandemia e intensificação do distanciamento social.

Nessa nova rodada, as regras são de fato diferentes, e os benefícios, bem menos generosos: R$ 150 para família com uma única pessoa, R$ 250 para famílias com mais de uma pessoa e R$ 375 para famílias em que a mãe é a única provedora.

Mas, ainda que a nova regra tenha passado a considerar um único benefício por família —o que não acontecia anteriormente—, o novo auxílio continua perpetuando o equívoco de não levar em consideração que as famílias diferem em sua composição e número de membros e, consequentemente, têm diferentes necessidades de subsistência, que é crescente em seu tamanho.

Considere, por exemplo, duas famílias nas quais a mãe é a única provedora e perde todo o seu rendimento, mas em uma delas a família é composta por mãe e um filho pequeno, enquanto na outra a mãe tem quatro crianças. Em ambas as situações, o auxílio será de R$ 375, mas na primeira família serão apenas duas bocas para comer, enquanto na segunda serão cinco.

De forma semelhante, imagine que em uma das famílias acima exista uma tia, que não exerce trabalho remunerado ou receba nenhum benefício. Como membro dessa família, ela nada receberá de forma incremental. Contudo, receberia R$ 150 se morasse sozinha.

No Brasil, apenas cerca de 11 milhões de famílias são unipessoais, dos quais menos de 2 milhões se qualificam para o novo auxílio pelo critério de renda. Chama a atenção regra específica para um grupo tão pequeno, comparado às demais famílias e pessoas em situação de vulnerabilidade.

É inevitável constatar que o desenho do programa gera incentivos para que cada adulto declare estar em domicílio separado, o que exacerba ainda mais a discrepância entre as transferências que são feitas às famílias com e sem crianças.

Por fim, e não menos importante, é bastante curiosa a regra que transfere mais a mães solo vis-à-vis a uma família em que também existe a figura de um pai.

Em geral, transferências de renda direcionadas às mães solos cumprem duplo propósito: primeiro, buscam compensar a existência de uma criança no domicílio, já que as mães são, via de regra, responsáveis pelos cuidados dos filhos. E, segundo, buscam compensar o fato de que as mulheres recebem menores salários no mercado de trabalho e têm menor capacidade de sustentação da renda.

Ocorre, entretanto, que qualquer trabalho informal, seja de homens ou de mulheres, é igualmente afetado pelas políticas de distanciamento social. Assim, em famílias com crianças nas quais o pai está presente, a transferência é menor (R$ 375 vs. R$ 250), apesar de esse pai estar igualmente prejudicado na sua capacidade de trabalho.

O desenho implicitamente assume que famílias nas quais o pai está presente têm maior capacidade de geração de renda, o que não necessariamente é verdade no contexto da pandemia. Pior, torna desigual a renda mínima per capita sob distanciamento social por composição familiar. É de esperar que essa discrepância se propague também na exposição ao vírus por necessidade de trabalhar.

Um ano de pandemia e ainda não conseguimos resolver detalhes elementares de um programa de auxílio temporário. A dificuldade de convergência em um bom senso básico para esse programa não gera otimismo com relação a uma agenda maior de reformulação e expansão da rede de proteção social e do estabelecimento de um programa de inserção e qualificação de trabalhadores afetados pela crise. Há muito trabalho a ser feito.

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