Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Modelo de pagamento do Auxílio Brasil gera distorções e prejudica os mais pobres

Há enorme relutância para que se volte a priorizar quem realmente precisa das transferências

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A criação do Auxílio Brasil manteve, aparentemente, alguns bons princípios do Bolsa Família. Entre eles, o critério de renda em unidade domiciliar –que leva em conta o tamanho da família no cálculo dos benefícios recebidos– e a priorização das transferências para famílias com crianças pequenas.

Entretanto, a recente publicação da Medida Provisória (MP) 1.076/21, que instituiu o benefício extraordinário para o Auxílio Brasil, trouxe dúvidas sobre a manutenção desses princípios. Em linhas gerais, a nova MP estabelece o fim da focalização no combate à pobreza no Brasil. E não há clareza se esta falta de foco permanecerá também em 2022.

O benefício garante o pagamento mínimo de R$ 400 para todas as famílias a partir deste mês. Apesar de ter caráter "provisório", poderá ser prorrogado até o final de 2022, observada a disponibilidade orçamentária. Considerando que o pagamento médio do Auxílio Brasil em novembro foi de R$ 220, não é difícil perceber que a nova regra institui um mínimo que se sobrepõe às demais transferências feitas pelo Auxílio Brasil, diluindo toda a vantagem que um programa focalizado nos mais pobres e direcionado às crianças proporciona.

Quando o novo mínimo passa a ser maior que o valor médio das transferências, todas a famílias recebem exatamente o mesmo valor. E o número de membros e a idade das crianças tornam-se irrelevantes para determinar o benefício recebido.

Considere, por exemplo, duas famílias de igual renda per capita. Uma é composta por mãe e criança de 8 anos de idade, enquanto a outra é composta por mãe mais três crianças de 4, 6 e 8 anos. Pelo Auxílio Brasil, a primeira família receberia R$ 65, enquanto a segunda, R$195. Com o benefício extraordinário, as duas famílias passam a receber os mesmos R$ 400, apesar de a segunda família ter o dobro de membros da primeira.

De forma semelhante, considere uma família composta por mãe e um filho de 2 anos, que recebe R$ 430 correspondentes ao Benefício da Primeira Infância e o auxílio-creche em tempo integral, enquanto a segunda é composta por mãe e filho de 20 anos, que recebe R$ 65 pelo Benefício Composição Familiar. Neste caso, o número de membros é igual, mas os retornos do programa para a primeira família (com criança na primeira infância) são muito maiores.

O benefício extraordinário não altera em nada a transferência que é feita para a primeira família, mas sextuplica a transferência feita àquela com o filho já adulto.

Das duas uma: ou os benefícios financeiros do Auxílio Brasil foram mal calibrados, ou de fato se pretende um modelo de assistência sem focalização.

É difícil acreditar que após quase dois anos de pandemia, de todo o tempo que se teve para aprimorar o antigo Bolsa Família em direções um tanto quanto promissoras, e da evidente necessidade de reformulação da rede de proteção social, o Auxílio Brasil siga sofrendo com erros de calibragem, que o tornam mais próximos do Auxílio emergencial do que do Bolsa Família.

Tampouco faz sentido inferir que o Auxílio Brasil esteja se propondo a abandonar a focalização, haja visto que a priorização e a diferenciação dos valores dos benefícios por composição da família são componentes estruturais do novo programa. É sabidamente positivo transferir mais aos mais pobres (em termos per capita) e priorizar famílias com crianças, onde os retornos aos investimentos em educação e em saúde são maiores.

O pagamento prolongado do auxílio emergencial em seus moldes originais, e ausência de uma discussão mais profunda sobre o que queremos de uma rede de assistência social, teve efeitos deletérios sobre a tramitação do Auxílio Brasil. Ficamos por dois anos renovando um programa pouco focalizado, e agora há enorme relutância para que se volte a priorizar quem realmente precisa das transferências.

O estabelecimento de um pagamento mínimo nos moldes do atual Auxílio Brasil gera distorções e prejudica os mais pobres. Ao orçamento de R$ 90 bilhões, pode-se fazer melhor apenas recalibrando o valor dos benefícios do atual programa. Neste fim de ano, meus votos são para que a MP 1.076/21 seja mesmo extraordinária e que o benefício mínimo se finde junto com 2021. Boas festas!

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