Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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A boa reforma trabalhista de 2017

Ignorar efeitos indiretos da regulação é relegar vulneráveis ao desemprego

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A regulação trabalhista —o conjunto de regras, normas e jurisprudências que define as possibilidades de escolha de trabalhadores e empregadores, e que dita estrutura de incentivos na relação entre eles— influencia no funcionamento do mercado de trabalho.

Ao mesmo tempo em que protege os trabalhadores da perda de emprego e de ações arbitrárias e abusivas dos empregadores, ela também dificulta a criação e destruição de postos de trabalho, limitando à capacidade das empresas se ajustarem a novas demandas, adotarem tecnologia, automatizarem processos, e se moverem na direção de atividades ou setores onde sua presença é mais produtiva.

Desempregados em fila para parciticar de mutirão do emprego do Sindicato dos Comerciários, no vale do Anhangabaú, em São Paulo
Desempregados em fila para parciticar de mutirão do emprego do Sindicato dos Comerciários, no vale do Anhangabaú, em São Paulo - Danilo Verpa - 16.mai.2022/Folhapress

O recente desempenho do mercado de trabalho, que viu a taxa de desemprego recuar para 10,5%, o menor patamar desde 2016, e 0,6 ponto percentual abaixo da taxa de desemprego de 2019, levantou novos questionamentos sobre o papel da reforma trabalhista de 2017 neste impressionante resultado, já que a regulação trabalhista participa, com o ciclo econômico, da determinação do emprego.

Ao todo, a reforma de 2017 fez mais de cem modificações na CLT, alterando o funcionamento do mercado de trabalho em três grandes eixos.

Primeiro, especificou como legítimas uma série de práticas trabalhistas, a exemplo do banco de horas e do trabalho intermitente, reduzindo a incerteza sobre o que é permitido em uma relação trabalhista.

Segundo, reduziu os incentivos ao litígio ao permitir a transferência dos custos processuais para a parte perdedora. E, terceiro, diminuiu a discricionariedade dos juízes nas suas decisões, priorizando o que foi negociado entre as partes em detrimento do que está na lei.

O efeito de primeira ordem da reforma é evidente na redução do número de disputas trabalhistas que se seguiram após 2017.

De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, o número de novos casos nas varas de trabalho (primeira instância) recuou de 2,64 milhões em 2017 para 1,78 milhão em 2018, uma queda de mais de 30%, mantendo-se em torno deste patamar nos anos seguintes, inclusive durante e após a pandemia.

Estudo de Corbi, Ferreira, Narita e Souza (2022) mostra que os custos deste litígio são expressivos: cerca de 72% das decisões da justiça do trabalho são a favor dos trabalhadores, com valor da causa em torno de nove salários. E que em empresas que recebem decisão judicial menos favorável, as taxas de crescimento de emprego e de salários em novas contrações são menores, além de serem maiores as chances de estas empresas precisarem fechar as portas.

O estudo estima que a redução do litígio, e dos custos inerentes a ele, tal qual produzido pela reforma, reduz o desemprego em 2,1 pontos percentuais.

Ao contrário do que argumentam os que querem revogá-la, a reforma trabalhista de 2017 criou um ambiente de maior segurança jurídica, que desonera as empresas dos custos de ações na Justiça do Trabalho, e lhes permite contratar mais trabalhadores, em grande círculo virtuoso que aumenta a produtividade das empresas e o crescimento de longo prazo da economia.

Mas nem tudo são louros. Em 2021, o STF julgou como inconstitucional os dispositivos da reforma que exigiam a cobrança de honorários periciais e sucumbenciais do beneficiário da Justiça gratuita, ignorando mais uma vez que a estrutura de incentivos que foi recolocada estimula o litígio.

Não custa nada lembrar que na Justiça do Trabalho, a recorribilidade a instâncias superiores chega a 53%. E que a taxa de resolução de conflitos em instâncias inferiores é baixa: um a cada três casos iniciados nas Varas do Trabalho chega ao Tribunal Superior do Trabalho.

O tempo médio que um caso ganha sua primeira decisão é substancial, levando em média dois anos e um mês para se alcançar uma sentença, segundo o Justiça em Números de 2021.

A pandemia trouxe uma nova organização das atividades na economia e um novo paradigma para a relações trabalhistas —com mais flexibilidade, maior uso de tecnologia e com trabalho exercido de forma remota— que precisa ser acompanhado de uma regulação trabalhista à altura dos novos tempos.

Ignorar os efeitos indiretos de uma regulação trabalhista que tudo quer e nada pode é continuar relegando os mais vulneráveis ao desemprego e à informalidade, colocando-os a margem de vários direitos obtidos apenas através da carteira assinada

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