Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Descrição de chapéu petrobras

A Petrobras e a responsabilidade social das empresas

É pouco claro que uma política que estimula o consumo de combustíveis fósseis tenha papel social

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O aumento do preço dos combustíveis na semana passada reacendeu um importante debate sobre a responsabilidade social das empresas. No caso em questão, questiona-se se a Petrobras deveria se desviar de seus objetivos corporativos para absorver o aumento do preço dos combustíveis subsidiando o seu consumo para população.

Afinal, o aumento do preço da gasolina e do diesel tem impactos sociais amplos. De forma indireta, representa custos maiores para as empresas e repasses de preço para os consumidores. De forma direta, dificulta o trabalho de motoristas de aplicativos e caminhoneiros, onera o custo do transporte público, sendo inconveniente para todos, inclusive para a camada mais rica da população, que percebe o aumento do preço dos combustíveis no seu dia-a-dia.

A Petrobras anunciou na sexta (17) aumento do preço do diesel e da gasolina em suas refinarias. Postos já trocam cartazes - Danilo Verpa/Folhapress

Qual seria então a responsabilidade social de uma empresa? Certamente existem parâmetros mínimos que definem o escopo de atuação social no próprio negócio. A legislação trabalhista, por exemplo, dita as garantias irredutíveis em um contrato de emprego. Demais objetivos sociais, como políticas de inclusão e diversidade, não são exigências legais, mas podem agregar valor às companhias que percebem que equipes diversas são mais produtivas, trazem inovações de processos, e contribuem para o crescimento do negócio através da expansão de clientes que exigem a responsabilidade social das empresas com as quais se relacionam.

Dito de outra forma, a responsabilidade social das empresas é de interesse do próprio negócio. Uma política de responsabilidade social corporativa que reflete os valores da sociedade em determinado tempo é coerente com crescimento da empresa, com o aumento de sua produtividade, com a valorização da marca, com novas oportunidades de negócios e de investimentos, e com a capacidade de atrair novos talentos e de reter bons funcionários.

Seria este o caso de uma política de preços que subsidia o consumo de combustíveis em resposta ao aumento do preço de commodities energéticas? A performance da Petrobras nos últimos dias mostra que tentativas de represamento de preço —ou mesmo políticas não convencionais de taxação ao setor ou de escrutínio à governança corporativa da empresa— vão na contramão de uma atuação que agrega valor à companhia.

Estão também desalinhados a valores sociais que reduzem desigualdades de forma abrangente, como quando se considera os efeitos deletérios da poluição nas condições de saúde da população pobre. Colocado nestes termos, a atuação da Petrobras nesta direção não parece cumprir função social.

Primeiro, uma política de represamento de preços de combustíveis não é condizente com a orientação de negócio que tem por objetivo final a própria produção de petróleo e o refino e comercialização de combustíveis. Ainda mais quando é evidente que o aumento do preço reflete o custo de um bem escasso por motivos ortogonais à atuação da empresa, como a forte recuperação global no pós-Covid, os impactos adversos da guerra entre Rússia e Ucrânia no preço das commodities energéticas, e a lenta transição para uma matriz energética mais limpa.

Segundo, é pouco claro que uma política de preços que estimula o consumo de combustíveis fósseis alcance algum papel social, tendo em vista que a população pobre é, em geral, mais exposta à poluição, e que esta tem efeitos adversos e duradouros em saúde, prejudicando o aprendizado das crianças, as possibilidades de emprego de jovens e adultos e as chances de superação da pobreza e de mobilidade social.

Neste caso, forçar o desvio de função de lucro para que atenda a um objetivo cirúrgico com benefícios sociais duvidosos desestimula o investimento no setor, a competição entre as empresas e o interesse de novos entrantes, tornando o setor como um todo menos atraente e menos inovador, ao contrário do que se deseja.

A responsabilidade social das empresas não antagoniza com o crescimento do negócio. Mesmo no caso de uma empresa de capital misto que tem controle estatal, é desejável que os executivos responsáveis pelas decisões estratégicas atuem no melhor interesse da companhia, maximizando seu retorno e devolvendo-as aos seus acionistas. No caso da Petrobras, lucros maiores para o Estado, são lucros maiores para a população e mais recursos disponíveis para políticas públicas de impacto social mais relevante que o subsídio a combustíveis fósseis.

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