Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

A eleição de Trump coroou a corrosão das normas de convivência

Livro aponta o risco que o presidente representa para a democracia dos EUA

O presidente americano, Donald Trump
O presidente americano, Donald Trump - (Nicholas Kamm-16.jan.18/AFP

Acaba de sair um livraço dos cientistas políticos de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, "How Democracies Die" ("Como as Democracias Morrem"). É a melhor análise publicada até agora sobre o risco que a eleição de Donald Trump representa para a democracia norte-americana.

Como candidato, Trump apresentou exatamente o mesmo perfil de aspirante a autocrata identificado por Levitsky em outros casos de subversão da democracia, como a Venezuela, a Hungria ou a Turquia. Mas as instituições americanas não seriam mais resistentes ao autoritarismo do que as turcas, húngaras ou venezuelanas?

A tese central do livro é que a democracia americana não resistiu a tentações autoritárias até hoje pelas qualidades de sua Constituição.

A Constituição (até por ser muito curta) deixa ampla margem para manipulação das regras do jogo: o número de membros da Suprema Corte, por exemplo, não é constitucionalmente determinado, o que abre a possibilidade de um governo ampliar o número de membros e encher a corte de aliados.

O impeachment mal é regulamentado, o que, em tese, possibilitaria a derrubada de qualquer governo de quem os congressistas não gostem.

E, de fato, as primeiras décadas da democracia americana foram confusas.

Foi só o passar do tempo e a sucessão de gerações nascidas sob a democracia que permitiram que evoluíssem normas de convivência política que asseguraram o bom funcionamento da democracia e, no fim das contas, sua sobrevivência.

As normas fundamentais são duas: a tolerância mútua, que reconhece no adversário um participante legítimo do jogo, e o autocontrole (forbearance), a disposição para usar o poder institucional com parcimônia.

A eleição de Trump foi o coroamento de um processo de corrosão dessas normas, e pode levá-lo a patamares perigosos.

A mídia conservadora e parlamentares republicanos trataram Obama como um traidor socialista muçulmano, um falso americano, em evidente violação da norma de tolerância mútua.

E a direita americana utilizou seu poder institucional em flagrante desrespeito à norma do autocontrole.

Por exemplo, no último ano do mantado de Obama, o juiz conservador Anthony Scalia morreu, abrindo uma vaga na Suprema Corte.

Violando todo o precedente e a norma do autrocontrole, os republicanos se recusaram a aprovar o indicado por Obama, preferindo esperar que Trump escolhesse outra pessoa.

E Estados governados por republicanos vêm alterando suas regras eleitorais (seguindo o procedimento constitucional, mas não as normas de autocontrole e tolerância) para dificultar o voto de minorias étnicas que costumam optar pelos democratas.

Trump vai aprofundar essa degeneração? O livro é repleto de exemplos de conflitos entre Trump e as instituições americanas no primeiro ano de seu mandato. Até agora, só perdeu.

Mas os autores temem que um aumento de sua popularidade, ou uma situação de crise (como uma guerra) lhe permitam voltar à carga com mais chance de vitória.

Há muito mais no livro, e seria bom se ele fosse publicado em português. Afinal, não podemos dizer que a democracia brasileira viva seu melhor momento, e, em várias passagens, a história parece muito mais familiar ao leitor brasileiro do que seria desejável.

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