Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Qual o Plano da Intervenção?

A esquerda, em especial, precisa voltar a conversar com a turma da farda

Em artigo do último dia 1º de março em O Globo, o jornalista Fernando Gabeira defendeu a intervenção federal no Rio de Janeiro e argumentou que precisamos estabelecer uma nova relação com as Forças Armadas.
 
Concordo com a última parte. A esquerda, em especial, precisa voltar a conversar com a turma da farda. É gente muito inteligente, que administra escolas muito boas, são atores importantes na construção da identidade nacional. Na campanha da Itália, aplicaram nos fascistas belíssimo supositório de chumbo. Anos mais tarde, fiéis a esta tradição, expulsaram o Bolsonaro. A cobra fumante é, sem dúvida, o melhor símbolo nacional brasileiro. A história do Exército não é só 64.
 
 
Mas vem cá, Gabeira, quando você apoia a intervenção, você está apoiando exatamente o quê?
 
Certo, todo mundo já entendeu que não adianta os caras dos direitos humanos reclamarem, a Maria do Rosário e o Jean Willys ficarem de mimimi, não adianta fazer passeata de branco nem apelar para as ONGs do George Soros: se as forças da lei pegarem um marginal apontando fuzil para o foro especial do Moreira Franco, vão sentar o dedo sem piedade.
 
Mas e o resto? O que, exatamente, a intervenção vai fazer? É para eu manifestar apoio sem saber antes do que se trata?
 
A entrevista coletiva da última quarta-feira foi muito pouco informativa.
 
Não estou de má vontade com a intervenção, não. Se me explicarem do que se trata e parecer uma boa ideia, vamos lá. Mas eu quero ler o plano.
 
Eis, por exemplo, temas que poderiam fazer parte de um plano, agrupados em dois enquadramentos possíveis para a intervenção.
 
O primeiro é aceitar que a intervenção é só no Rio e combater os problemas específicos do estado: mudar o plano de remuneração dos policiais para que eles não passem tanto tempo em outros empregos, montar um plano de policiamento nas áreas carentes (UPP?, policiamento comunitário?), aproveitar a presença de tropas de fora do estado para combater as milícias, que muitas vezes têm relações promíscuas com o aparato policial local.
 
Até agora, não vi ninguém falar nada sobre nenhuma dessas coisas.
 
A outra estratégia, mais ambiciosa, seria aproveitar o novo ministério de Jungmann para fazer uma ofensiva nacional contra o crime organizado, de preferência frustrando o plano de Temer de deslocar para isso todo mundo que está investigando corrupção. Um dos riscos da intervenção é desarmar o Comando Vermelho, sair em dezembro e deixar o PCC fechar o Sudeste em janeiro. Não há como o interventor resolver esse problema, porque os generais do PCC estão em São Paulo, onde não há intervenção. Mas Jungmann poderia articular o combate nos dois estados.
 
Vai ter isso?
 
Vai ter o quê?
 
A intervenção é um gesto de oportunismo político da parte de Temer, que, depois de fracassar como vice da esquerda e como reformador da direita, achou que para alguém com esse histórico de sucessos seria uma boa ideia liderar tropas.
 
Para provar que a intervenção vai ser algo além disso, os interventores precisam nos mostrar ao menos as linhas gerais de um plano, mesmo que ele seja menos ambicioso do que o que espera a opinião pública.
 
Gabeira lamenta que estejamos debatendo fantasmas: até agora, não nos deram outra coisa para debater.

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