Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Qual Ocidente?

Para novo chanceler, o Ocidente é uma unidade étnico-religiosa, os cristãos descendentes de europeus

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Em um artigo publicado na revista Cadernos de Política Exterior, o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, propõe uma definição do que é o Ocidente, e propõe que o Brasil se engaje em sua defesa. 

O Ocidente, para Araújo, é algo que começa com os gregos e é, essencialmente, cristão. Apesar da grande maioria dos democratas, racionalistas e cristãos atuais não serem descendentes dos atenienses ou dos hebreus, Araújo insiste que o Ocidente não é uma ideia. O Ocidente, para Araújo, é uma unidade étnico-religiosa, os cristãos descendentes de europeus.

Jair Bolsoanro, presidente eleito, e Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, em Brasília - Sergio Lima - 14.nov.2018/AFP

No fundo, Araújo acredita no que disse o trumpista Steve King: “Você não reconstrói sua civilização com os bebês dos outros”. 

É o contrário. Você começa a construir civilização quando começa a converter os bebês dos outros. Com os próprios filhos você mal constrói uma tribo. Você mal constrói um grupo de WhatsApp com alta frequência da mensagem “Bom Dia, Grupo!”.

O Ocidente, para Araújo, também é adversário do globalismo. Pode parecer estranho: a grande expansão do Ocidente aconteceu ao mesmo tempo que a grande globalização capitalista dos últimos séculos. O próprio Araújo, ao situar o auge do Ocidente na véspera da Primeira Guerra Mundial, parece admiti-lo. 

Qual a diferença entre globalização e globalismo?

Qualquer um que conheça o vocabulário trumpista acerta essa fácil: globalização era quando só homem branco ganhava. Quando mulheres e negros, no mercado doméstico, e asiáticos, no mercado externo, começaram a ganhar, começou o globalismo. 

Pelo que depreendemos dos textos de seu blog, Araújo também vê como sintoma do globalismo a ascensão das pautas de identidade: feminismo, direitos LGBT, multiculturalismo. Como Araújo entende o Ocidente em termos étnico-religiosos, tudo isso lhe parece inimigo do Ocidente. 
Mas é exatamente o contrário: isso tudo é o Ocidente. 

A jovem feminista com o adesivo #EleNão é filha de Sócrates, é a Grécia que nos interessa, é a Grécia do reexame constante dos valores e das ideias. Afinal, foi essa tradição intelectual, e não as convenções de gênero dos gregos, que os distinguiram de outras civilizações. 

Da mesma forma, o sujeito que olha para um casal gay e diz, olha, eu não entendo perfeitamente o que vocês estão fazendo, mas me parece claro que vocês se amam como eu amo minha esposa, e eu os amo por isso —esse é o cristão que eu aposto dinheiro que toparia ir para o centro do Coliseu enfrentar leão.

Não foi o Levítico que inspirou multidões.  

Enfim, Araújo se preocupa com as propostas de “governança global”. Ao contrário de tudo na conversa anterior, isso é um problema real. 

Há problemas globais —econômicos, ambientais, culturais— e precisamos descobrir como administrá-los.

Mas nossas democracias e nossas comunidades nacionais não são globais. É preciso renegociar a divisão do trabalho entre o global e o nacional constantemente. 

Mas não há muito nos textos de Araújo que nos ajude a resolver esses problemas. Araújo nega o aquecimento global. E lista, entre os inimigos do Ocidente, o “internacionalismo financeiro”, simbolizado pela criação do Federal Reserve (p. 341). Sim, nosso novo chanceler é contra a existência de bancos centrais. 

Ao que parece, o Brasil votou no Ocidente errado.

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