Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Nascido como 'zuero', radicalismo de Bolsonaro chega à censura

Estratégia importada finge ironia enquanto promove extremismo

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No começo eram perfis de internet pró-Bolsonaro com nomes como "Bolsonaro zuero" e "Bolsonaro opressor". A ideia era que o radicalismo bolsonarista era "zuero", uma piada politicamente incorreta para, como dizem os trumpistas, "own the libs", sacanear a esquerda. A apologia a Brilhante Ustra não era fascismo, diziam, era provocação de um espírito "contrarian".

Termos como "opressor" passaram a ser usados como autodescrições que empoderavam os direitistas porque os libertavam da "ditadura do politicamente correto", a única ditadura de que os bolsonaristas não gostam, certamente por ser imaginária.

Essa estratégia nasceu na direita radical americana, e sua importação para o Brasil sempre foi problemática. A direita brasileira acusava a esquerda de ser um bando de perigosos guerrilheiros das Farcs colombianas. Como dizer isso e, ao mesmo tempo, dizer que a esquerda era também um bando de "snowflakes" cirandeiros preocupados com seus "safe spaces", como a direita americana chama seus adversários de esquerda na universidade? Uma das poucas críticas que não se podia fazer aos stalinistas, afinal, é que eles fossem excessivamente sensíveis e respeitadores das diferenças. 

Mas nos dois casos houve uma tentativa de constituir o conservadorismo como contracultura, de dar à defesa dos valores tradicionais o charme da contestação de esquerda dos anos sessenta. O historiador Gabriel Trigueiro já notou repetidas vezes em seus artigos que a nova direita se apresenta como revolucionária. Me assusta que alguém acredite que os ricos e os militares eram oprimidos pelo coitado do gay lá da ONG, mas, enfim.

Começou com "Bolsonaro opressor" irônico e terminou com Bolsonaro opressor literal, com o clima político em que o Porta dos Fundos sofre atentado terrorista, o governo brasileiro não condena o ato, e um desembargador se vê no direito de censurar os humoristas. Não era "zuera". 

Essa estratégia de fingir ironia enquanto se promove extremismo também é importada. Segundo matéria da revista norte-americana The Atlantic de dezembro de 2017, o extremista Andrew Anglin, que mantinha o site neonazista The Daily Stormer, descrevia sua abordagem como "nazismo não irônico mascarado de nazismo irônico". Há uma versão dessa estratégia na esquerda radical que é dizer "Stalin matou foi pouco" como piada. 

Note que não é o debate sobre "limites do humor". Se o cara quiser assumir "opressor" como rótulo para provocar nas redes sociais, eu acho idiota, mas vá em frente, filho, não sou sua mãe. Só não dê o passo seguinte apoiando o fascismo de verdade na disputa pelo poder de verdade. No momento, o autor do perfil "Bolsonaro Zuero" é assessor do Palácio do Planalto, acusado de fazer parte do chamado "gabinete do ódio".

O debate é sobre tratar a política nos termos do humor, como fez o bolsonarismo da internet, para terminar censurando humoristas. Tentar tratar a política na lógica do humor, ou da religião, ou da filosofia marxista da história, sempre dá errado. Sempre termina com a política no comando, porque a política nunca perde jogo em casa. No fim de todos esses exercícios, só o que costuma cair são os poucos limites que a civilidade havia conseguido impor ao exercício do poder. 

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